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Edney Silvestre fala de seu novo romance, 'A Felicidade é Fácil'

Jornalista e escritor pesquisou e fez entrevistas sobre a Era Collor

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Por Ubiratan Brasil
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Em 1990, o plano econômico do governo Fernando Collor de Mello, que ficaria no poder até 1992, foi marcado pela abertura do mercado nacional às importações e pelo início de um programa de desestatização. O custo, no entanto, foi alto: mais de 920 mil postos de trabalho desapareceram e a inflação atingiu a casa de inacreditáveis 1.200% ao ano. "Foi o início de uma das maiores diásporas brasileiras, com famílias se mudando para Lisboa, Nova York e outras cidades, em busca de melhores condições de sobrevivência e, pior, sem planos para retornar", observa o escritor e jornalista Edney Silvestre que, particularmente interessado naquele momento crítico da história brasileira, pesquisou documentos e fez entrevistas até reunir material necessário para escrever A Felicidade É Fácil, seu segundo romance, que a editora Record lança neste fim de semana.A ação transcorre durante um período determinado e reduzido, entre as 7h20 do dia 20 e 5h34 de 21 de agosto, com direito a três flashbacks. O ano não é especificado, mas as referências condicionam o leitor a pensar em 1990, seis meses depois do violento confisco de ativos financeiros de milhões de cidadãos brasileiros promovido pelo plano econômico arquitetado pela equipe da então ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Anunciada de forma confusa pela equipe econômica, a medida deixou muitos com a vida desestruturada de um dia para o outro e quase sem condições de sobrevivência. "Houve quem perdeu toda a fortuna familiar, provocando até diversos suicídios", comenta Silvestre, lembrando que o fato ainda não foi devidamente tratado por artistas brasileiros. "Uma das poucas exceções é o filme Terra Estrangeira (1995), de Walter Salles e Daniela Thomas, em que um dos personagens morre ao descobrir que seu dinheiro fora confiscado."É ambientado nessa situação que A Felicidade É Fácil acompanha a trajetória de Olavo e Ernesto, dois amigos publicitários que iniciaram a carreira juntos e também compartilharam o primeiro contato com a corrupção. E, no momento focado no livro, o leitor percebe que a intimidade com irregularidades continua, agora em esfera federal. Em torno deles, atuam Mara, uma ex-acompanhante de executivos agora casada com Olavo; Irene, o marido e o filho, que trabalham como empregados domésticos do publicitário, além de Major, motorista particular de Olavo, e sua filha, Bárbara. A trama se passa na cidade de São Paulo.O primeiro capítulo já revela a alta temperatura do romance, graças à descrição de um sequestro violento, porém frustrado: os criminosos julgam ter capturado o filho de Olavo, mas o garoto dormia tranquilamente em seu quarto, enquanto o filho do caseiro encontrava-se trancafiado em algum lugar sujo da cidade. Em seguida, quase que simultaneamente, percebe-se uma nova maracutaia arquitetada por Olavo e Ernesto. "Há uma percepção generalizada de que as mudanças acontecidas no Brasil nos anos posteriores foram frutos desse início de década de 1990. Os anos sombrios que se seguiram têm origem ali."Para Silvestre, é preciso escrever sobre os momentos de ruptura para que os fatos não sejam esquecidos. Assim, ele manteve atuante seu rigor jornalístico durante a escrita, buscando respaldo em entrevistas e pesquisas que bancou com insistência. "Conversei com pessoas que sofreram economicamente com aquele período, que perderam não apenas dinheiro, mas entes queridos", conta. "Também cuidei dos fatos políticos e econômicos, o que me obrigou a consultar especialistas dessas áreas."Um momento marcante que decidiu incluir (e figura como um dos flashbacks) é o comício pelas Diretas realizado na Praça da Sé em 25 de janeiro de 1984. Silvestre conta ter se emocionado especialmente com o discurso de Franco Montoro, então governador de São Paulo, que se via diante não apenas de uma multidão, mas de representantes de toda a população brasileira. "Ali começavam a surgir as primeiras percepções de mudanças em nossa realidade, pois havia a necessidade de a sociedade se reorganizar. Tanto que, embora a praça estivesse tomada por aproximadamente 1,5 milhão de pessoas, praticamente não houve nenhum incidente grave."O escritor foi criterioso também na recriação dos locais onde se desenrolam as cenas, especialmente na região paulistana dos Jardins, um dos redutos da classe alta. "Já havia exemplos de desequilíbrio social pois, em contraste com essas casas enormes e confortáveis, também existiam moradias sem nem eletricidade."Ao apostar em um romance político, Silvestre busca um caminho oposto ao que marcou sua estreia na ficção com Se Eu Fechar os Olhos Agora. É o que observa o também escritor Luiz Ruffato, no texto de apresentação. Para ele, Silvestre subverte a forma do primeiro romance, em que a macro-história (o conturbado período pré-ditadura militar) servia como pano de fundo a um relato de violência e mandonismo. "Neste novo livro, os destinos pessoais estão indissoluvelmente ligados à macro-história, o governo Collor", escreve. "O autor une as duas pontas da história recente do Brasil: se em Se Eu Fechar os Olhos Agora havia ainda uma certa inocência, por meio do olhar das crianças, em A Felicidade É Fácil ingressamos na era do cinismo, do despudor, do salve-se quem puder.""Eu me sentia mal à medida que escrevia as passagens", relata o autor. "Afinal, já não havia mais aquele sentimento de esperança que dominava o Brasil nos anos 1950 e que está no meu primeiro livro. Ao fazer a passagem de uma obra para a outra, tive a nítida visão de como o País se transformou, tornando-se mais sombrio."Em meio a tamanha desesperança, o título A Felicidade É Fácil pode causar estranhamento, contradizendo a essência da escrita. A inspiração, na verdade, surgiu a partir de uma reflexão de Major, o motorista de Olavo, que pensa assim ao observar a despreocupação do filho do caseiro enquanto é levado para a casa no Mercedes-Benz do publicitário. Tão logo essa divagação lhe vem à cabeça, Major recebe o primeiro tiro da série que lhe vai tomar a vida. Isso acontece logo na página 13 e se transforma em um recado do autor: a felicidade não é fácil e, quando aparece, só se manifesta de maneira intermitente.

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