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E, sim, literatura paraguaia existe

Traduzido em mais de uma dúzia de idiomas, chega, enfim, ao Brasil, O Inverno de Gunter, de Juan Manuel Marcos

Por ERIC NEPOMUCENO
Atualização:

Juan Manuel Marcos, nascido em 1950, é poeta, autor de conhecidos ensaios sobre literatura hispano-americana contemporânea, fez mais de uma centena de palestras e conferências em um sem-fim de faculdades e centros de estudos da Europa e dos Estados Unidos. Lecionou literatura em importantes universidades norte-americanas, escreveu peças de teatro e letras para canções, ganhou prêmios. Foi preso e exilado. Alguns de seus ensaios são mencionados entre os importantes de sua geração. Sua poesia, de relevo em seu país, e é estudada em universidades dos Estados Unidos. Pois não conheço ninguém no Brasil que tenha ouvido falar dele. E a razão é muito simples: Juan Manuel Marcos nasceu no Paraguai. Ao longo dos tempos, temos demonstrado um formidável talento para ignorar a literatura paraguaia, com a exceção óbvia de Augusto Roa Bastos (1917-2005), mestre supremo. Nossa ignorância com relação a essa literatura fez e faz com que o poeta Elvio Romero, a contista Josefina Plá, o poeta e contista Rubén Barreiro Saguier e até mesmo o fundador da narrativa contemporânea do Paraguai, Gabriel Casaccia, só sejam conhecidos - e olhe lá - em restritos círculos acadêmicos, e nem sempre valorizados em sua devida dimensão. Nesse panorama baldio é lançado, pela pequena, valiosa e valente 7 Letras, do Rio de Janeiro, a tradução feita por Daiane Pereira Rodrigues de O Inverno de Gunter (250 págs., R$ 39), único romance de Juan Manuel Marcos, publicado em 1987 e editado em inglês, japonês, russo, francês, sérvio, hebraico, árabe, coreano e outros idiomas . É um livro estranho, curioso, um tanto insólito. A estrutura narrativa intrincada salta já nas primeiras páginas e resiste, desafiante, até a última. O texto é conduzido em alta e tensa velocidade: as palavras fluem e nelas se mesclam poemas, versos, citações, sem cair em momento algum no habitual e aborrecido desfile cujo objetivo é demonstrar a eventual erudição do autor. É um livro diferente de tudo que eu havia lido da literatura paraguaia (e que, aliás, nem foi tanto). Um primo distante, mas em diálogo aberto, com alguns dos livros do argentino Manuel Puig (1932- 1990). Talvez menos elaborado, menos sofisticado, mas igualmente instigante. O componente político está presente o tempo inteiro, convivendo com os desvarios do amor, as perversidades da intolerância, na festiva celebração da palavra escrita. A tradução, correta, peca por excesso de respeito às regras. Falta a flexibilidade da narração literária. Ou o leitor já ouviu alguém dizer, por exemplo, "Abandonemo-la", querendo dizer vamos abandonar tal coisa? Nada, porém, que comprometa a arquitetura ousada do autor. Só a endurece e faz com que perca um pouco de vida.

* É ESCRITOR, TRADUTOR,AUTOR DE QUARTA-FEIRA, ANTOLOGIA PESSOAL (AMBOS PUBLICADOS PELA EDITORA RECORD),ENTRE OUTROS TÍTULOS

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