Um mundo de temperaturas extremas, quando eu tiver 50.
O sol, e não o vírus, vai me trancar em casa, quando eu tiver 50.
Queimaduras rasurando tatuagens, quando eu tiver 50.
As comportas não irão suportar a força das chuvas, quando eu tiver 50.
O rosto de Jesus Cristo na enxurrada, quando eu tiver 50.
Veneza vai desaparecer, quando eu tiver 50.
Nunca mais coquetéis em New Orleans, quando eu tiver 50.
Sem mais faixa de areia, quando eu tiver 50.
Surfistas só de videogame, quando eu tiver 50.
Oxigênio em latinhas de alumínio, quando eu tiver 50.
Incubadoras superlotadas, quando eu tiver 50.
Ar-condicionado como privilégio de classe, quando eu tiver 50.
Os protetores solares não irão mais funcionar, quando eu tiver 50.
Vai nevar no Ceará, quando eu tiver 50.
As geleiras escorrendo pelo ralo do mundo, quando eu tiver 50.
Só fazer amor de meia, quando eu tiver 50.
Os aposentados não frequentarão mais praça nenhuma, quando eu tiver 50.
A nova natureza morta será um jogo de dominó inacabado, quando eu tiver 50.
O pó vai cobrir aquele casaco bonito, quando eu tiver 50.
O furacão que irá nos levar será batizado com o nome de um ditador sul-americano, quando eu tiver 50.
Os cães irão ladrar para caravana nenhuma, quando eu tiver 50.
Nosso dinheiro será um catálogo de animais extintos, quando eu tiver 50.
Um guarda-sol fincado na areia tal bandeira na Lua, quando eu tiver 50.
Árvores que só irão existir em álbuns de figurinhas, quando eu tiver 50.
À sombra das palmeiras, eu vou ler um poema triste, quando eu tiver 50.
Mas não haverá mais sombras.
Ou sequer palmeiras, quando eu tiver 50.
* Gilberto Amendola é repórter do Estadão e observador da vida urbana