É bom também ser Gepeto

Livro traz contos e crônicas que falam de amadurecimento, ciúme e traição

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Por Ubiratan Brasil
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Há 30 anos, a trágica experiência de um jovem inspirou um livro que logo chegou ao topo da lista dos mais vendidos no Brasil. Feliz Ano Velho narra as desventuras de seu autor, Marcelo Rubens Paiva, depois que um acidente o deixou tetraplégico quando estava com apenas 20 anos. Como uma espécie de comemoração àquele sucesso (foi o livro de autor brasileiro mais vendido na década de 1980), sua nova obra, As Verdades Que Ela Não Diz, chega hoje às livrarias marcando a estreia de uma nova editora, Foz, comandada por Isa Pessoa (leia texto).Não são fatos isolados - em 30 anos de estrada, Paiva, que é cronista do Estado, desenvolveu um estilo seco, direto e envolvente tanto para comentar assuntos triviais como para tratar de temas delicados. A gênese, aliás, já estava em Feliz Ano Velho, cuja sucesso consolidou a linha editorial adotada pela Brasiliense, que o lançou em 1982: dar voz a novos autores, cujas experiências e inquietações seriam mobilizadoras.Nesse período, Paiva publicou dez livros, foi traduzido para alemão, inglês e checo, entre outras línguas, além de dirigir e escrever peças de teatro, como 525 Linhas, No Retrovisor, e Da Boca pra Fora - E Aí, Comeu?.Em As Verdades Que Ela Não Diz, Paiva mostra uma vez mais sua habilidade para criar diálogos. São contos que tratam de diversos níveis de infidelidade, conjugal ou mesmo de amizade. Sobre o assunto, o escritor respondeu às seguintes perguntas.Faz 30 anos da publicação de Feliz Ano Velho - você tratou ali de assuntos sobre os quais não falaria hoje? O livro o incomoda? Você tem ideia de como ele seria se fosse escrito hoje?Sim, narrei até um banho numa UTI. Fui mais escancarado e sem censura em Feliz Ano Velho como dificilmente serei em outra obra. Porque paradoxalmente fiquei conhecido e agora me intimida, me preocupa a exposição pública. Tenho muito respeito pelo livro. É como um membro da família que se exilou, se tornou independente e se deu bem. A questão é: se o livro fosse escrito hoje por um anônimo teria a mesma crueza. Não sei se alguns assuntos interessariam como interessaram naquela época.Você não teve mais vontade de escrever sobre a sua vida?Aprendi a escrever sobre a minha vida através da ficção. Aprendi e gostei, pois posso torná-la mais atraente ou melhorá-la, para deixar literariamente mais interessante. A peça No Retrovisor é um exemplo. É sobre um deficiente físico, um cego, anos depois do seu acidente, já inserido e profissionalmente estabelecido. Sem nenhum saudosismo. Mais resolvido do que eu.Sobre As Verdades Que Ela Não Diz: abordar o complexo universo feminino com ironia e afetividade exige maturidade artística, concorda? Malu de Bicicleta, de alguma forma, o ajudou a encarar melhor esse universo?Na verdade foi na peça E Aí, Comeu?, depois de um divórcio aos 36 anos, que comecei a investigar o universo feminino, as razões do sucesso e fracasso das relações, a crise da maturidade, de ser adulto e entender o outro, ver o mundo através dos olhos de quem ama. Faço parte de uma geração de escritores privilegiada, pois testemunha a emancipação feminina, tem um material rico para trabalhar, e viveu a decadência do antigo projeto de casamento dos nossos pais.O que norteou a escolha dos textos de As Verdades?A vitória ou derrota no amor, a luta para dar certo, superar, a redenção, a maturidade de reconhecer os próprios erros, as trapalhadas amorosas. Puxa, tenho 53 anos. Já podem me chamar de senhor. Aliás, adoro quando me chamam. Apesar de ser da geração que sofre um certo complexo de Peter Pan, é bom também ser Gepeto.

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