E Bel Borba fez a América

O sucesso em Nova York de um artista baiano quase desconhecido em seu próprio país

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Por Jotabê Medeiros e NOVA YORK
Atualização:

Um anúncio de 10 segundos em um dos telões de LED de Times Square, em Nova York, custa US$ 150 mil (cerca de R$ 300 mil). Bel Borba está em 22 desses telões, durante três minutos, toda noite, até o fim deste mês.Quem diabos é esse Bel Borba, um milionário?, perguntará o leitor. Quase: Bel Borba é muralista, e é baiano. Não tem dinheiro, mas conseguiu a façanha por uma dose superlativa de sorte e perseverança de um curador. Visto com desconfiança pelos seus pares soteropolitanos durante mais de duas décadas, Alberto José Costa Borba, de 55 anos, está com obras expostas em uma dezena de lugares em Nova York, de Roosevelt Island à hiperexposta Times Square. Um documentário sobre sua vida, Bel Borba Aqui, de Burt Sun e André Constantini, está sendo visto no momento na mostra Film Forum, de Nova York, e em outras 19 cidades americanas. "Um filme de estonteante beleza cinematográfica, música cheia de vivacidade e grande narrativa", escreveu a Voice of America."Nem nos meus sonhos mais otimistas eu imaginaria algo assim", diz o artista, que já perdeu a conta de quantas obras suas existem nos muros, ladeiras e paredes de Salvador. "É um upgrade ser reconhecido aqui como artista brasileiro", acrescenta Borba, após uma colherada num prato de feijão de uma deli dominicana, na fronteira entre o Brooklyn e o Queens, a uma quadra da garagem que está usando como ateliê. Os muros dos vizinhos já conheceram a versatilidade do artista baiano, porque ele oferece obras aos amigos que vai fazendo pelo caminho - numa oficina mecânica, instalou um painel em que um indivíduo caminha sobre o mundo, uma alegoria de sua própria nova condição.Bel Borba já fez obras com chicletes mascados que infestam o chão das estações de metrô de Nova York; já fez instalações instantâneas com as gradinhas que prendem a rolha das garrafas de champanhe; já simulou rachaduras de gás no chão de Roosevelt Island. Sua grande intervenção (em termos de peso) será hoje, nos pés da escadariazinha de Times Square, onde os turistas tiram fotos. Ali, peças feitas de "water barriers" reciclados (um tipo de cone gigante da CET local que se usa para prevenir alagamentos e marcar desvios de rodovias e obras), que foram retrabalhadas e viraram objetos artísticos novos, serão exibidas até o fim do mês - entre elas, um autorretrato do bigodudo artista que parece uma mistura de Bob Esponja com Salvador Dalí. São cerca de 100 water barriers e mais de 3 mil parafusos, além de sacos de areia, nas obras. O mais louco é que eles não têm nenhum patrocinador, tudo foi conseguido com lábia e trabalho. Trabalho duro não o assusta: há alguns anos, quando viu que iria abaixo o Estádio da Fonte Nova, em Salvador, ele pediu para recolher pedaços da lendária arena antes que virassem pó de concreto debaixo das máquinas. Recolheu colunas, lajes, esculpiu as peças e as usou como ready-made numa exposição. Para Bel, aqueles pedaços ainda guardam a história do estádio.Quem descobriu Bel Borba foi o chinês americano Burt Sun, produtor cultural, videomaker, ensaísta, faz-tudo elétrico. Ele se tornou curador dessas mostras e também dirigiu o filme Bel Borba Aqui. Burt Sun o conheceu há 5 anos em Salvador, quando tinha a intenção de fazer apenas um livro, para o qual tinha sido comissionado. Mas, ao mostrar o resultado de suas pesquisas com o trabalho de Borba para a Aliança Francesa, a Times Square Alliance e a Crossing the Line, eles resolveram trazer Bel para mostrar seu processo trabalho nos Estados Unidos."Ele é tão carismático que não querem mais devolvê-lo", brinca Burt Sun. "Nunca conheci um artista que cortasse metal, papel, plástico, concreto ele mesmo; que dominasse escultura, pintura, desenho, artesanato, performance. Como artista e curador, e também como professor de arte, me acostumei a gente como Jeff Koons, com seu nariz empinado, gente que fala muito, tem muitas 'ideias', mas quando tem de realizá-las nunca põem a mão na massa, delegam a outras pessoas. E passam a maior parte do tempo falando, falando", ironiza o curador.Para Burt Sun, o carisma de Bel Borba faz com que ele desfrute de uma compreensão toda especial do seu papel como artista. "Ele sempre ouve o que querem, ouve o que o povo mais pobre espera. Não lhes dá exatamente o que espera, também os provoca. Pedem que desenhe um peixe num muro, ele desenha, não é o peixe que esperavam, mas desenha. E seu trabalho tem o valor que podem pagar, se não têm nada, ninguém paga. Ele põe arte em tudo o que faz, porque tudo é arte para ele", afirma.Bel Borba não cita influências mirabolantes em sua obra, nada de Diego Rivera, Basquiat. Ele se diz influenciado essencialmente por artistas baianos contemporâneos, como Emanuel Araujo, Juarez Paraíso, Mario Cravo, Calasans Neto, Edson da Luz. Recentemente, sua obra foi objeto de uma exposição no Museu Rodin de Salvador, com curadoria de Burt Sun. "Eu mereço um espaço para refletir sobre o mundo", ele diz, no filme sobre sua arte. Desde janeiro, tem vindo a Nova York continuamente, para trabalhar. Era tanta demanda que já até alugou um apartamento em Chelsea, onde está há 57 dias - agora com a mulher, Meire, e a filha de um ano e meio, Bela.Ele garante que quantificar o que produziu em Salvador é tarefa para gerações futuras. Ele não faz questão de saber. De vez em quando, algum preço lhe é cobrado. Não é raro que o chamem para tirar água de alguma escultura de peça reciclada por medo do mosquito da dengue, e ele tem que ir. Uma vez, ele conta, um caminhão de lixo recolheu uma de suas peças e os jornais da Bahia noticiaram, foi um barulhão, o prefeito de então, Imbassahy, o chamou para pedir desculpas. Bel não se avexa. "Quando você coloca uma obra na rua, tudo pode acontecer com ela: pode ser fotografada, negociada, furtada. Não há mais direito de imagem, é complicado. Mas o que posso dizer é que zelam mais pela minha obra nas ruas do que se pode imaginar", afirma o artista, acrescentando que nunca pretende abrir mão dos espaços informais.

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