''E agora todos me querem''

Financiado pelo Estado, John Neschling retorna à frente de uma nova companhia e de um novo espetáculo

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Por João Luiz Sampaio
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José Roberto Walker mede as palavras. Na véspera da estreia da Companhia de Ópera Brasileira no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, com a montagem de O Barbeiro de Sevilha, o produtor é cuidadoso. "O objetivo agora é mostrar a que viemos, que podemos fazer trabalho relevante." Ele é interrompido pela chegada do maestro John Neschling. "Isso é um labirinto, não tenho mais idade para isso não", diz bem-humorado. E entra na conversa. "Agora temos de pensar em conseguir uma sede. É loucura não ter onde trabalhar. Já imaginou ter de contratar um chefe de palco sem ter palco? É tudo virtual. E tem outra coisa: onde vamos guardar esse Barbeiro? Se fizermos mais ano que vem, e vamos fazer, só no interior de São Paulo dá para fazer mais 30 récitas, temos de guardar em algum lugar. Só louco mesmo para fazer isso."À frente da orquestra da companhia na noite de quinta-feira, ou mesmo fora do palco, com um blog recém-criado, Neschling está de volta. E, deixando a capital mineira e retrocedendo um pouco no tempo, a história desta volta começa em julho do ano passado. "Há muito tempo falávamos em criar um festival de ópera", lembra Walker, um dos responsáveis pela chegada de Neschling à Osesp em 1996. "O projeto, porém, nunca saiu do papel." Até que, no fim de 2008, o maestro foi demitido da Sinfônica do Estado e os dois voltaram a tocar no assunto. "Mas ele me disse que, se fosse mesmo para mexer com ópera, que queria uma companhia. Então, começamos a pensar em como ela seria."O formato previa a itinerância pelo País. Foi escolhida a ópera O Barbeiro de Sevilha, explica Neschling, porque exigiria a presença de número menor de músicos e cantores, facilitando a viagem. A concepção cênica, em vez de utilizar cenários que seriam montados e desmontados a cada cidade, aposta no diálogo entre os cantores e uma projeção em desenho animado da célebre ópera de Rossini. "Em julho passado, conversamos com o Ministério da Cultura e eles se interessaram pela ideia de dar acesso à ópera a um número grande de pessoas. Pediram que aumentássemos as cidades visitadas pela produção, que passaram para 20. No fim, conseguimos R$ 10 milhões dos R$ 14 milhões previstos, então serão 15 cidades."Metade desses R$ 10 milhões vem de patrocínio da Petrobrás e do Banco do Brasil e a outra metade, direto do Ministério por meio do Fundo Nacional de Cultura. Quando anunciado o projeto, em novembro, foi justamente a relação da companhia, de caráter privado, com o governo o ponto mais polêmico. Para alguns críticos, um investimento do Ministério poderia voltar-se a políticas que contemplassem vários projetos e não apenas um. Neschling refuta o argumento. "Se o Ministério quiser fazer isso, faz, uma coisa não exclui a outra. A questão é: vão investir no quê? Não há projetos. Aí você apresenta um projeto consistente e vem um bando de gente reclamar que também quer. Ué, então montem um projeto. E você acha que é função do Ministério dar dinheiro para o Municipal de São Paulo? Não é."Neschling voltou ao centro do debate da música brasileira na semana passada ao criticar em seu blog os modelos de atuação do teatro paulistano que, fechado para reformas, não tem apresentado óperas e vive momentos de impasse marcado, entre outras coisas, pelo desentendimento entre os músicos e o maestro Rodrigo de Carvalho. "Meu blog não é uma tribuna. Os músicos pedem para eu defendê-los, outros pedem para eu defender o Rodrigo. As pessoas não entendem que sou alguém de fora, que está apenas externando uma opinião. E minha opinião é que um teatro em que o músico não toca, o cantor não canta, o maquiador não maquia é um desperdício de dinheiro. Eu não estou aqui para atacar ou defender ninguém. Quando eu fui maltratado, não teve blog nenhum do meu lado", diz - e brinca, sorrindo. "Há um ano e meio, todo mundo queria se livrar de John Neschling. Agora, querem Neschling. Você não acha isso engraçado? Vamos ver daqui a dois anos como vai ser."Modelo. De volta a Belo Horizonte, e à companhia, Neschling crê que a contribuição do projeto ao cenário é mostrar uma relação custo/benefício mais generosa. "Estamos provando que mesmo nas condições mais atrozes - até agora só recebemos um terço do dinheiro - é possível contratar artistas, técnicos, levantar uma produção e correr o País com ela. Isso prova que só não fazem mais ópera no Brasil porque não querem. E, com uma sede, será ainda melhor. Porque poderemos experimentar mais, ter espetáculos menores viajando pelo interior, espetáculos maiores ocupando os grandes teatros do País em coproduções." Para tanto, diz Walker, o modelo deverá permanecer com um pé no Estado e outro na iniciativa privada. "Não é possível montar uma companhia como esta sem a ajuda do Estado, nem que seja por uma relação moderna como uma fundação, como é a Osesp. Só isso vai permitir um trabalho a longo prazo."

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