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E a diferença regional vira uma comédia

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A Riviera Não É Aqui é o filme francês mais visto em seu país em todos os tempos. Fez quase 21 milhões de espectadores. Como a França possui mais ou menos 65 milhões de habitantes, é como se quase um terço da sua população total tivesse ido ao cinema para assistir a essa comédia. Uma proeza. O filme passa pelo tema das diferenças regionais na geleia geral globalizada. E, claro, fala dos preconceitos que algumas regiões têm em relação às outras. No caso francês, o sentimento generalizado de que a vida não é tolerável em qualquer região acima de Paris. Para o Norte profundo é mandado o funcionário dos correios Philippe Abrams (Kad Merad), "deportado" por castigo ao tentar se passar por deficiente para arranjar uma vaguinha na cobiçada Côte D"Azur. Em vez do sol meridional, Abrams, casado com uma mulher depressiva, terá de enfrentar o que julga ser o inverno permanente e a grosseria de habitantes que falam uma estranha língua, próxima mas nem tanto, do francês. Indo-se ao filme, constata-se que não é o tipo de comédia sofisticada que se espera de uma produção francesa (outro preconceito...). Dany Boon, que dirige e também interpreta um dos moradores da pequena Bergues, joga o tempo todo com a expectativa do preconceito e seu desmentido pelos fatos. Boa parte dessas ideias prévias é de ordem linguística. Os nortistas falam um idioma estranho, o "chitimi" (o título original é Bienvenue Chez les Ch"tis), origem de mal-entendidos. Isso supõe uma ginástica para o tradutor, pois a fala dos nortistas é meio fanha tende a confundir, por exemplo, o possessivo sien (seu) com o substantivo chien (cão). Como verter a graça para o português? Complicado. O que existe por trás dessa comédia é a ideia de que se pode ser feliz com bem pouco, o que fazemos questão de esquecer a cada dia. Assim, os ch"tis, com sua vida simples e em aparência sem atrativos, podem ser mais encantadores do que Paris com suas luzes, ou o sul, com seu sol, céu e praias. Isso tudo fica em filigrana e torna o filme simpático. Não existe grande imaginação na maneira como a comédia é conduzida. Ela não nos seduz pela surpresa. Trabalha num senso comum do nosso tempo, ou seja, a nostalgia da província que existe num mundo progressivamente cosmopolita e neurotizante. Essa saudade do interior, de uma vida mais descomplicada, é o que pode nos unir, através do riso, a esse filme a um tempo universal mas francês como o Camembert, e que, como certos queijos, talvez não aguente viagens muito longas.

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