Donos da própria voz

Atores Chico Diaz e Gero Camilo tomam o lugar de autores em dois monólogos

PUBLICIDADE

Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Eles tomaram o palco. Em seus novos espetáculos, os atores Chico Diaz e Gero Camilo não se contentaram apenas em interpretar um texto. Antes, preferiram se colocar como donos da cena. Não aparecem a reboque da proposta de seus encenadores. Não são veículo para o que outros queiram dizer. Nos monólogos que ambos estreiam hoje, eles se assumem como autores da própria voz. Tomaram o lugar de dramaturgos, escolheram o tema de suas montagens e elegeram os diretores com os quais ansiavam trabalhar. Chico Diaz levou quatro anos acalentando a ideia de transpor A Lua Vem da Ásia, para o teatro. Conheceu a obra de Campos de Carvalho em 2006, quando o diretor Aderbal Freire-Filho aventurou-se a encenar um dos livros do escritor mineiro, O Púcaro Búlgaro. "Fiquei espantado quando me deparei com aquelas palavras, com aquela arquitetura. É tudo extremamente atual", comenta o ator, responsável pela adaptação do título, terceiro de Campos de Carvalho a ser levado aos palcos. Diaz, que já passou com a montagem pelo Rio e por Brasília, conta que só chamou o diretor Moacir Chaves à sala de ensaio quando já tinha todo o texto pronto e decorado. Na hora de escolher que caminho tomar em sua transposição teatral do romance, o intérprete diz ter se apoiado na própria estrutura ditada pelo autor, pinçando algumas passagens do périplo insólito de seu protagonista. Ainda que atravessado por um espírito surrealista e por uma ordem não cronológica, A Lua Vem da Ásia exibe um formato muito claro, acredita Diaz. "Já era escrito em primeira pessoa, na forma de diário. Só tive o trabalho de selecionar as paisagens que me interessavam mais como ator", ele comenta. Valores do racionalismo cartesiano não são de muita valia para entender a jornada desse "herói". Depois de matar seu professor de lógica, Astrogildo aparece encerrado em um espaço mínimo, algum lugar que pode ser uma cela de manicômio ou um quarto de hotel. É dali que ele fará projeções de seu mundo exterior, narrando feitos extraordinários - amores, travessias de mares e de desertos. "Ele é tão lúcido que se torna louco", considera Diaz. Fora da ordem. Loucura é um traço que também desponta no personagem que Gero Camilo elegeu para sua empreitada: Van Gogh. Foi debruçado sobre o artista holandês que Camilo escreveu A Casa Amarela. O impulso é antigo. Surgiu desde a leitura de Cartas a Theo, livro de correspondência entre o pintor e o irmão. E ganhou ainda mais ímpeto com a peça que Elias Andreato fez sobre Van Gogh, nos anos 90. "Pensei até em reencenar o mesmo texto. Mas desisti", ele diz. Chamou Marcia Abujamra - a mesma diretora que conduziu Andreato no seu Van Gogh - para guiá-lo nesta encenação. E seguiu outro rumo. "Não estou falando sobre a vida do Van Gogh, mas dando minha visão sobre um aspecto", comenta o ator. Ao deixar um pouco à margem todo o aspecto de esquizofrênia que ronda o criador de A Noite Estrelada, Camilo ocupou-se de um outro dado de sua trajetória. A Casa Amarela elege como tema seu impulso de criar em Arles uma comunidade de artistas. Lá, eles se organizariam coletivamente para criar e vender suas obras. O sonho, porém, durou pouco. Apenas três meses. "Trato isso a partir de um olhar pessoal, de uma dramaturgia que é explicitamente, propositadamente poética", assume o ator.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.