Domingos Pellegrini prepara novo romance

Em No Coração das Perobas, escritor conta a história de uma historiadora que decide estudar a Coluna Prestes através da narrativa de um de seus ex-integrantes

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Por Agencia Estado
Atualização:

Domingos Pellegrini é um desses escritores "escondidos" no interior do Brasil. Vive numa chácara, mas numa cidade média, em Londrina, no norte do Paraná, e de lá escreve seus livros e suas colunas para um jornal local. Quando menos se lembra dele, solta um livro, e o livro ganha um prêmio importante. Essa é, pelo menos, a história de O Caso da Chácara Chão (Record), sua última obra, um romance policial que se aproveita da vida cotidiana do autor. Bateu Milton Hatoum (Dois Irmãos) e Patrícia Melo (Inferno) no Prêmio Jabuti deste ano na categoria romance. "É uma mentalidade colonizada acreditar que nada importante ocorre no interior; eu gosto de poesia local, de culinária regional, o que não me impede de apreciar obras universais", afirma ele. "Gosto de viver no interior e não suporto as grandes capitais; quero mesmo é que Londrina pare de crescer." Pellegrini prepara-se agora para o lançamento de mais um romance: No Coração das Perobas, que será publicado em breve, também pela editora Record. A obra tem como personagem principal uma jovem mestranda de história, Juliana Prestes, que pretende estudar a história da Coluna Prestes através da narrativa de um ex-integrante do movimento, chamado Juliano Siqueira. Sua rigorosa orientadora mete-se também na disputa pela reitoria da universidade, apesar de todo o desgaste que enfrenta num tratamento quimioterápico. No meio do processo, Juliana vai se apaixonar por um fotógrafo casado, mas em vias de se separar, que se chama Miguel Costa - o mesmo nome do líder paulista do movimento. Na verdade, são duas histórias: uma memória, de Juliano, e uma grande trama, a de Juliana, que, de uma hora para a outra, envolve-se na mais variada coleção de dificuldades. Não por acaso, a epígrafe da primeira parte do livro é: "À coincidência, mãe de todos os encontros." As histórias se passam entre Londrina, onde Juliana estuda e dá aulas de capoeira, e Foz do Iguaçu, onde vive o ex-combatente. A região já foi coberta de florestas, que tinham nas perobas suas mais altas árvores. Até hoje, a Universidade Estadual de Londrina, construída num perobal, guarda algumas dessas árvores, cada vez mais raras. É que a peroba, como bem descreve Pellegrini em seu livro, apesar de ser a mais alta das árvores, só consegue crescer forte e bonita em meio a outras árvores. "A peroba é uma espécie relativamente nova em relação às outras; é dominante na floresta, mas ao mesmo tempo frágil", diz ele. O coração das perobas diz que elas têm de crescer, mas ela só consegue isso quando está em meio a outras árvores - que com ela competem por espaço e luz: eis a simples e valiosa metáfora que conduz boa parte da trama. Painéis - "Tanto esse romance quanto o anterior procuram traçar um painel crítico da sociedade brasileira; no meio, há a história de amor de Juliana", afirma Pellegrini, que classifica sua personagem de heroína. "Ela resolve seus problemas, seus nós de cidadania; não se diz revolucionária, mas vai em frente." Na opinião do autor, literatura e sociedade (ele cita o estudo de Antonio Candido) estão intimamente relacionados, é impossível separá-los. "Gosto de heróis, de personagens investidos de uma espécie de mandato coletivo; Juliana enfrenta tudo, quando é preciso vai até para a luta física; Juliano é também um brigador, um velho cheio de lembranças, mas que foi enganado por ideologias." Mais uma coincidência - ou não -, o autor que criou esses dois personagens nasceu no mês de julho. Mas o paranaense também não é um defensor da tese de que apenas esse tipo de arte é válida. "Essa é minha vocação, minha literatura é comprometida; mas tem de haver escritor de tudo o que é tipo, inclusive os que fazem arte pela arte e, sem saber, muitas vezes estão abrindo os olhos de outros autores." O compromisso de que fala Pellegrini não significa, no entanto, um engajamento ideológico. Significa que ele acredita que seus romances devem expressar um desejo de reforma do País. "Acredito que é preciso reformá-lo com valores éticos." Pellegrini publicou seu primeiro livro, O Homem Vermelho, em 1977. Os contos ali reunidos foram bastante elogiados pela crítica, que o saudou como um autor capaz de colocar o leitor numa sucessão de fatos, "desprezando adjetivos e dando lógica aos substantivos", como escreveu Oswaldo Mendes. Também é autor de vários livros infanto-juvenis. Segundo ele, a vendagem desse gênero está diminuindo, depois de um processo de explosão do mercado, com o surgimento de títulos e autores em excesso. Atualmente, Pellegrini não escreve mais contos. "Foram eles que me deixaram." Para o escritor, se romance vende pouco, conto vende menos ainda. Se continuasse a produzi-los, não teria onde publicá-los. "Tenho dois livros prontos" - sem contar os quatro ou cinco de poemas, alguns deles já declamados para duas turmas de 400 professores. O romance, diz, permite que ele acorde pela manhã e tenha o que fazer. Além do fato de que escrevê-los é como participar de uma corrida de longa duração. "O romance é uma maratona; o conto é intenso, o romance é extenso." Um de seus livros, Terra Vermelha, está nos projetos de Ruy Guerra, que pretende levá-lo para o cinema. O interesse de Pellegrini pela Coluna Prestes surgiu de mais uma coincidência: a leitura de A Noite das Grandes Fogueiras, de autoria do também Domingos - Meirelles -, em 1996. Depois de outros livros relacionadas ao movimento - e às outras revoluções em que o personagem Juliano Siqueira se envolve -, decidiu mergulhar no assunto, que define como "um monumento cívico". A idéia de transformar Juliana numa mestre de capoeira veio do engajamento da filha mais nova do escritor, Analu, de 13 anos, na luta. Hoje, a menina já deixou de freqüentar as aulas, estuda música - para o pai, apresentada pela capoeira. A capacidade de Juliana, no caso, traz-lhe alguns problemas: ela envolve-se numa briga e acaba machucando um aluno no campus, integrante de uma turma barra-pesada que lidera os trotes violentos na universidade. O fato de resgatar uma parte da história do País e expor os conflitos entre professores e estudantes, para Pellegrini, não chega a dar um tom didático à sua obra. "Não importa muito se é didático, o que importa é que seja interessante, para que o leitor aprenda sem perceber", diz. E, como bom interiorano, completa: "A história tem de ser boa para poder botar outras coisas - sentimentos, intenções, idéias - no lombo dela."

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