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Dois mundos de Susanne Bier

Diretora do premiado Em Um Mundo Melhor foge à idealização para retratar a realidade

Por Luiz Carlos Merten
Atualização:

Houve, no ano passado, um evento no mercado, em Cannes. Sempre existem muitos eventos no maior mercado de cinema do mundo, mas aquele atraía atenção por ser o filme obra de uma diretora dinamarquesa, ex-Dogma, que o festival tem ignorado - e olhem que Cannes tem um xodó por Lars Von Trier e Tomas Vinterberg -, mas também porque Em Um Mundo Melhor já despertava excepcional atenção. Todo mundo comentava, a própria imprensa - sem ver -, o grande filme de Susanne Bier. A carreira internacional confirmou-se. Em Um Mundo Melhor ganhou o Globo de Ouro e o Oscar, nas categorias de melhor filme estrangeiro. Estreia hoje. É ótimo.A própria Susanne comentava um dos aspectos mais interessantes de seu filme. Ao longo dos anos, na produção clássica de Hollywood, o público se acostumou a ver grandes diretores (homens) que retratavam na tela, rico em nuances, o universo feminino. Joseph L. Mankiewicz e George Cukor tornaram-se conhecidos como autores de "mulheres" (e fizeram grandes filmes). Parece mais raro, até hoje, que uma mulher se volte para o universo masculino. É o que faz Susanne Bier. Ela não vê nada de excepcional nisso. "Um autor tem de servir a seus personagens, independentemente de idade ou sexo. Seria uma diretora muito limitada se só conseguisse fazer filmes do meu ponto de vista, sobre gente como eu."Em Um Mundo Melhor desenrola-se em duas frentes - na Europa, ma\is exatamente na Dinamarca, e na África. Um homem transita entre esses dois espaços - um médico, que presta serviço humanitário num campo de refugiados. Na África, ele dá assistência a mulheres que sofrem a brutalidade do senhor da guerra local - e a violência da guerra, embora num outro sentido, também é o tema do documentário Restrepo, que estreia hoje. Na Dinamarca, onde vivem a mulher e o filho, o problema é familiar. O garoto vive apanhando de um colega. Como lidar com o assunto? Surge esse outro garoto que se une à vítima e bola um plano para aplicar um corretivo (radical) no valentão.O caso desdobra-se na África, onde o médico, inesperadamente, vê à sua mercê, vítima de um ferimento grave, o senhor da guerra. Susanne Bier já fez filmes que, segundo ela mesma, procuravam simplificar os conflitos - e o caso mais notável é o de Depois do Casamento. No caso de Em Um Mundo Melhor, ela percebeu que a própria amplitude de seus temas não lhe permitia nenhuma simplificação. É tudo muito complexo - a natureza do bem e do mal, do certo e do errado. Em um mundo melhor, as pessoas talvez não se infligissem tanto sofrimento, umas às outras. Haveria mais respeito, direito à diferença. Infelizmente, no mundo real, o jogo é de poder, seja entre homens (e crianças) ou nações. Susanne admite que fez seu filme para desmontar a crença das pessoas de que a vida na Dinamarca é mais pacífica e harmoniosa do que na bárbara África. Seu filme é sobre violência e perdão. "Espero que ajude as pessoas a viverem com mais consciência", diz a diretora.

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