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Diretor Bob Wilson volta ao Brasil com três espetáculos

Reconhecido por seu apuro visual, norte-americano apresenta criações em que a música ocupa um lugar proeminente

Por MARIA EUGÊNIA DE MENEZES - O Estado de S.Paulo
Atualização:

Em geral, é pelo que se vê no palco, e não propriamente pelo que se ouve, que o público costuma se lembrar das peças de Bob Wilson. Referência essencial para o teatro há pelo menos quatro décadas, o diretor norte-americano tornou-se conhecido pelo apuro visual de suas criações, concebendo imagens que persistem na memória. Curiosamente, Robert Wilson traz a São Paulo, de uma só vez, três criações nas quais o som desempenha um papel essencial, um passeio que atravessa a música lírica do século 19, chega nos cabarés da Alemanha nos anos 1920 e desemboca no rock pesado de Lou Reed. A partir desta terça-feira, 06, o Sesc Pinheiros recebe duas peças musicais: Lulu e a Ópera dos Três Vinténs, ambas com a renomada cia. Berliner Ensemble, fundada por Bertolt Brecht. Feito mais notável dessa passagem pelo Brasil, porém, deve ser a sua montagem da ópera Macbeth, de Verdi, que faz sua estreia mundial no Teatro Municipal de São Paulo. Macbeth é uma obra particular dentro do repertório do compositor italiano. Foi a primeira das criações nas quais se inspirou em Shakespeare - uma referência que iria permear toda a sua trajetória. Trata-se ainda de uma obra concebida na juventude do artista, mas revista na maturidade. Peça na qual combina, portanto, a devoção inicial à tradição do belo canto italiano com os princípios de uma "nova ópera", em que a música deveria estar à serviço da narrativa. Para conceber sua versão, Wilson deve ficar no País até o dia 23. "Infelizmente, passarei o tempo inteiro dentro do teatro", disse o diretor, que recebeu o Estado em seu hotel para uma entrevista. Macbeth é uma ópera muito particular do repertório de Verdi. Uma obra em que ele está lidando com convicções de épocas diferentes, da sua juventude e da maturidade. Bob Wilson - É como uma prisma, que tem muitas faces. Assim, você pode olhar a peça de muitas perspectivas, descobrir diferentes personas. Acho isso profundamente interessante. E como será a sua concepção cênica para a ópera? Bob Wilson - Eu mesmo ainda não sei. Já fiz um esboço e um workshop com estudantes da Universidade de Bolonha, na Itália. Mas é só agora que terei o cenário, os figurinos, a luz. Agora, terei que colocar tudo junto. E trabalhar com os cantores, o que certamente irá mudar tudo. Tão apegado a questões visuais, o senhor apresenta em São Paulo três criações musicais. Quão importante a música é no seu trabalho? Bob Wilson - Creio que todos os elementos são igualmente importantes na minha obra, seja um texto falado, uma imagem ou uma música. Todos eles fazem parte daquilo que Bertolt Brecht chamou de teatro épico, algo em que esses aspectos são igualmente relevantes. Mas o papel da música é diferente daquele ocupado pelo texto, enquanto os efeitos da música são emocionais, espirituais. O texto falado lida com um lado mais intelectual.O senhor já declarou que costuma criar os seus espetáculos em silêncio e só depois acrescentar os sons. Mesmo em uma ópera o senhor trabalha dessa maneira? Bob Wilson - Como se sabe, meus primeiros trabalhos eram todos silenciosos. Mas, ouvindo o silêncio, encontra-se um certo tipo de música. Eu começo sempre com a concepção visual, algo que se parece um pouco com uma dança. O interessante é que esses espetáculos estão lidando com músicas de estilos e épocas muito diferentes: composições de Kurt Weil, de Lou Reed e de Verdi.A Ópera dos Três Vinténs é uma peça muito eclética, inspirada pelos comediantes do cinema mudo. Curiosamente, esses mesmos comediantes, como Chaplin e Buster Keaton, são uma marcante influência nas suas obras. Com lida com essa referência neste trabalho?Bob Wilson - De fato, todas as minhas criações carregam o lastro desses atores. Mas acho que A Ópera dos Três Vinténs, em particular, está lidando também com toda aquela aura do final dos anos 1920: os cabarés de Berlim, Marlene Dietrich. Também tento trazer essa atmosfera. Mas sem tentar recriar o passado. Não quis fazer uma peça de época. Nessa peça, Brecht coloca o sistema burguês sob suspeita. Como o senhor lida com a fábula brechtiana? Está interessado por esse aspecto político? Bob Wilson - Acho que não se pode deixar de perceber o que está acontecendo hoje, então o tema da peça ainda soa bastante atual. Foi curioso perceber, quando apresentamos a peça em Nova York, que as pessoas estavam enfrentando nas ruas as mesmas questões que aparecem na obra. Mas não tentou trazer a peça para os dias atuais, tentou?Bob Wilson - Odeio essas peças que tentam atualizar os enredos. É ridícula essa coisa de colocar Shakespeare no supermercado.Como é fazer essa peça, uma das obras-primas de Brecht, com o Berliner Ensemble, a companhia que ele mesmo criou? Bob Wilson - Seria muito diferente fazer essa peça com uma companhia de Londres ou Nova York. Eles cresceram fazendo isso. E é um grande desafio fazer isso com esses atores, encontrar uma forma em que eles possam admirar o mestre sem se tornar escravos dele. Lulu tem uma aparência tão fantasmagórica quanto a sua Ópera dos Três Vinténs. Como concebeu essa montagem?Bob Wilson - Alterei a estrutura do texto. Eu começo com a morte dela. Cria-se uma espécie de flashback, em que ela contempla sua vida de diferentes perspectivas. Lulu trabalha também com uma série de contrastes, entre luz e escuridão, entre a voz delicada da protagonista, Angela Winkler, e a música de Lou Reed. Bob Wilson - A música de Lou Reed é muito alta, agressiva e a voz de Angela muito suave. É um encontro interessante. Muitas pessoas pensariam em uma Lulu muito mais jovem, mas eu a acho perfeita. Quando se olha para ela, não se pensa em idade. Meu teatro, aliás, não se preocupa com isso, é um teatro formal. ÓPERA DOS TRÊS VINTÉNS 3ª a 6ª, 21 h; sáb., 17 h. R$ 40. Até 10/11. LULU 4ª a sáb., 21 h; dom., 17 h - de 14 a 18/11. R$ 40. Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, tel. 3095-9400.

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