"Dicionário Houaiss" terá 220 mil verbetes

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Por Agencia Estado
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Já se disse que Brasil e Portugal são dois países separados pela mesma língua. O sotaque e a rapidez com que nossos irmãos lusitanos pronunciam as palavras tornam-nas, dependendo da região, difíceis de serem entendidas por brasileiros. Além disso, o uso de sentidos diversos para uma mesma palavra deixa o entendimento ainda mais distante. Por exemplo, talvez você não entendesse nada se, em Portugal, ouvisse alguém dizer: "O gajo apeou do autocarro na paragem". No Brasil, a mesma cena seria descrita como: "O rapaz desceu do ônibus no ponto". O que dizer então do português com influência asiática, falado no Timor Leste, ou em Macau? E o forte viés dos dialetos crioulos predominantes na zona rural de países africanos, como Cabo Verde e Guiné-Bissau ou das línguas locais de Angola e Moçambique? Só este último possui 20 línguas locais diferentes. Nesses países da África, o português é a língua oficial e serve para que esses diferentes povos comuniquem-se entre si. A existência do português em Macau faz a região ser procurada por estudantes de letras da Universidade de Pequim para estágios. "Os chineses aprendem o básico na universidade, pegam a prática em Macau e muitos completam os estudos em Portugal", explica o filólogo João Malaca Casteleiro. Segundo ele, o português é simples de ser entendido pelos chineses. "Tenho alunos que, depois de dois anos, se tornaram fluentes, ao passo que há portugueses estudando o mandarim há mais de dez anos, sem dominar a escrita", completa. Não poderia ser diferente. O mandarim básico tem pelo menos 3 mil caracteres. Para tentar reduzir o distanciamento, a Editora Objetiva pretende lançar o Dicionário Houaiss, o primeiro dicionário lusófono, ou seja, que reúne verbetes usados nos países onde a língua portuguesa é oficial. Trata-se de um velho sonho do lexicógrafo (S.m. - autor de dicionários) Antônio Houaiss, que morreu em março de 1999, sem vê-lo tornar-se realidade. Depois da sua morte, o sobrinho Mauro Villar, que já trabalhava com ele desde o início, assumiu a coordenadoria do projeto. "Tudo está sendo feito exatamente como Houaiss planejou", garante Villar. Segundo ele, o dicionário será publicado no fim do ano, no Brasil, e quatro meses depois em Portugal. Na verdade, o Dicionário Houaiss esteve ameaçado de ficar pelo caminho, pois os trabalhos da equipe, que começaram em 1985, tiveram de ser interrompidos sete anos depois, por falta de verbas. O advento da Lei Rouanet foi a bóia de salvação possibilitando a retomada da obra em 1997. A partir daí, o dicionário conta com o apoio do Instituto Camões, do Ministério da Cultura de Portugal, do Banco Espírito Santo, da Petrobrás, Embratel e Ministério da Cultura Brasileiro, entre outras instituições. Em Portugal, a logística é capitaneada pelo Instituto Antônio Houaiss, que tem como coordenador Malaca Casteleiro. Ao todo, o dicionário custou R$ 9 milhões. O filólogo chama a atenção para um inusitado fator de unificação das línguas. "O sucesso das novelas brasileiras está a fazer os portugueses apreciarem a pronúncia dos brasileiros e usarem expressões como ´tudo bem´, ´estou numa boa´ ou ´estou curtindo´ no uso diário", afirma. Tarefa árdua A melhor definição do que seria o trabalho de fazer um dicionário está em um poema de um dos maiores autores da língua portuguesa, Carlos Drummond de Andrade: "Lutar com palavras é a luta mais vã./ No entanto lutamos, mal rompe a manhã". Uma prova dessa dificuldade está na primeira tentativa de lançar um dicionário de língua portuguesa, feita pela Academia das Cïências de Lisboa, no século 18. Ele ficou pelo caminho, mais precisamente no final da letra A, de azurrar. O verbete, ainda hoje, encerra a letra A em todos os dicionários. O Dicionário Houaiss não pretende seguir esse exemplo e, apesar de enfrentar as maiores dificuldades desde o início dos trabalhos, em 1986, acaba de entrar na reta final para sua publicação. Mauro Villar anunciou há alguns dias o encerramento dos trabalhos do banco de dados, o que significa que não entram mais palavras novas no livro. Nem é necessário. Com os atuais 220 mil verbetes, o novo dicionário ultrapassa em muito os 168 mil disponíveis no Aurélio e os 200 mil do novo Michaelis. "O Houaiss terá, em termos de número de páginas, quase o dobro, por exemplo, do Aurélio, o que nos obrigará a dividi-lo em dois volumes", explica Villar.

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