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Diálogo novo com o Brasil

Danubio Torres Fierro, diretor da Fondo de Cultura Económica, anuncia a primeira parceria da editora mexicana com a paulista Cosac Naify para a publicação de dois títulos de Octavio Paz

Foto do author Maria Fernanda Rodrigues
Por Maria Fernanda Rodrigues
Atualização:

As livrarias brasileiras estão prestes a receber novas edições de dois dos mais literários livros ensaísticos do mexicano Octavio Paz (1914-1998), Nobel de 1990, esgotados há tempos e hoje só encontrados em sebos por valores altos. Com tradução de Ari Roitman e Paulina Roitman, O Arco e A Lira (1956) será lançado em novembro e Os Filhos do Barro (1974), no primeiro semestre de 2013. Isso, graças a uma parceria entre a quase octogenária Fondo de Cultura Económica, editora do governo mexicano, e a brasileira Cosac Naify, há 15 anos no mercado. O namoro começou há cerca de um ano e meio por motivos distintos para as duas editoras, que se identificam muito uma com a outra no que diz respeito à linha editorial e ao cuidado com as edições. A Cosac queria editar Octavio Paz, um dos autores do catálogo da mexicana. A Fondo de Cultura, do seu lado, passava por uma fase de repensar o que estava fazendo no Brasil - e por isso mandou o uruguaio Danubio Torres Fierro para cá há dois anos. Foi como livraria, para vender seus livros em espanhol, sobretudo aqueles sobre a América Latina, que ela chegou ao País no início dos anos 90. Naquele momento, a realidade era outra. “A Fondo tinha um lugar próprio aqui porque a indústria editorial brasileira era pequena. Mas hoje essa indústria virou uma das mais importantes do mundo. Aquele lugar que a Fondo ocupava - de trazer livros de referência para intelectuais e estudantes - não existe mais. Editoras daqui já estão publicando esses livros, e muito bem, com inteligência, critério”, explica Danubio, que comanda a filial da Fondo no Brasil. E seu diagnóstico foi: era preciso renovar tanto a livraria quanto parcerias editoriais. Situada num casarão antigo da Rua Bartira, em Perdizes, a Livraria Azteca já está passando por uma reforma e deve ser reinaugurada em agosto. A ideia é que ela se torne referência em livros sobre o México e a América Latina e também de história. Obras de outras editoras nessa linha devem estar à venda. Escolher a Cosac Naify como parceira não foi difícil. “Para colocar um pé no Brasil, procuramos uma editora com a qual fazer coedições. Entendemos que a Cosac Naify era uma possibilidade porque é uma editora jovem, que faz livros caprichados intelectual e editorialmente”, conta Danubio. “A Cosac Naify quer se firmar como editora de livros de formação quando todos os outros estão voltados a livros mais comerciais, e identificamos no Fondo um dos maiores catálogos da América Latina”, explica Florencia Ferrari, diretora editorial da Cosac Naify, que herdou o projeto de seu antecessor Cassiano Elek Machado. Ela tem, de fato, um grande catálogo. São 50 mil títulos no total e 30 mil ativos. Nele, estão clássicos brasileiros, além de outros títulos mais atuais. Danubio lembra que foi sua editora que traduziu, pela primeira vez para o espanhol, Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis. “A Interpretação do Brasil, de Gilberto Freyre, foi escrita a pedido do Fondo de Cultura Económica, assim como a Antologia da Poesia Brasileira foi feita por Manuel Bandeira a nosso pedido.” Lima Barreto, Sergio Buarque de Hollanda e Fernando Henrique Cardoso estão no catálogo.

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Para dar conta de uma produção tão ativa, a editora ocupa, no México, um prédio de sete andares. Ela está presente, ainda, além do Brasil, na Argentina, Chile, Peru, Estados Unidos, Espanha e Guatemala.

“Neste momento, o Brasil é importante no contexto da América Latina. A Argentina perdeu seu lugar no Sul, e ele é ocupado agora pelo Brasil, que tem ao lado o México lá no Norte. Esses dois países têm de criar um nexo comum. E esse nexo será feito pela cultura, que é o que une a América Latina. Tudo fracassou nesse continente, menos a cultura”, comenta Danúbio. Essa parceria, portanto, não é apenas para a edição de títulos lá e cá. O objetivo é aproximar Brasil e México, fortalecer vínculos, inserir o país na língua espanhola e vice-versa. “A única classe, no sentido social da palavra, que é uma classe fraterna, é a intelectual. É isso o que queremos incentivar.” Assim, debates e encontros estão na pauta. Outra ideia de Danubio é que profissionais brasileiros façam um intercâmbio com os funcionários da Fondo de Cultura, mas ainda não há nada de concreto neste sentido. Resgate. Para o editor uruguaio, Octavio Paz anda esquecido no Brasil nestes últimos anos e é preciso resgatar e atualizar informações sobre o escritor. O projeto de reedição de sua obra aqui tem o apoio de sua viúva, Maria José Paz. Florencia Ferrari conta que o livro A Arca e A Lira terá como prefácio carta escrita por Julio Cortázar e enviada a Paz assim que ele terminou de ler o livro. “Nela, o escritor conta como o texto impactou sua concepção do que é literatura”, diz a diretora da Cosac. A obra trata da poesia e da figura do poeta. Em Os Filhos do Barro, ele continua o estudo da poesia, mas desta vez a partir dos modernos. Para marcar o lançamento do primeiro título, em novembro, Danubio quer trazer ao País uma exposição de fotografias de Octavio Paz organizada pelo Ministério de Cultura do México e já montada na Feira do Livro de Guadalajara. Será o início das homenagens ao autor que sempre se preocupou com o Brasil e que tinha muitos vínculos com o País. Danubio, ele mesmo um amigo e ex-colega de trabalho de Paz, lembra a amizade que o escritor manteve com brasileiros, em especial com Haroldo de Campos. “Foi uma amizade intelectual e pessoal. A influência de um sobre o outro foi muito importante e os dois tinham interesse pelo movimento vanguardista da poesia.” Tanto que a lendária Plural, revista editada por Paz de 1971 a 1976, publicou uma antologia da poesia concreta brasileira pela primeira vez em língua espanhola. Celso Lafer também foi bastante próximo do escritor, seu professor nos Estados Unidos. Secretário de redação da Plural nos últimos dois anos de vida da publicação, e mais tarde responsável pela edição da revista Vuelta (1976-1998), uma espécie de continuação da Plural, em Buenos Aires, Danubio conta que os dois eram muito próximos e que tem um gostinho especial trabalhar nesse projeto de reedição no Brasil. Mas diz, sobretudo, que esta é uma tarefa mais intelectual do que emocional. “Octavio Paz foi um dos maiores intelectuais da América Latina do século 20. Foi um homem combativo do ponto de vista das ideias políticas, foi poeta vanguardista, que assumiu plenamente sua condição de filho da modernidade, e foi um poeta que em seus ensaios falou com inteligência sobre a relação entre vanguarda e revolução, dois temas fundamentais do século passado.” Esta não é a primeira vez que a Fondo de Cultura Económica coedita obras com casas brasileiras. Em 2003, ele se uniu à Edusp, mas a parceria não teve a continuidade imaginada. Coedições com a própria Edusp e demais editoras não estão descartadas.

Outros dois livros estão nos planos de Danubio para o ano que vem, mas ainda não há contrato de edição. São eles: a antologia de poemas de El Fuego de Cada Día, cujo tradutor deve ser Horácio Costa, e Sor Juana Inés de la Cruz o las Trampas de la Fe, ensaio sobre a poeta mexicana. Pode ser que lancem lá livros do catálogo da Cosac, mas isso, por ora, é apenas um projeto.

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