Falo dos programas sob o guarda-chuva da WPA, a Works Progress Administration, criada em 1933 por Franklin Delano Roosevelt para dar trabalho a 15 milhões de norte-americanos ou um quarto da mão de obra do país desempregada pela Grande Depressão. Durante oito anos, a WPA foi a maior agência federal do período do New Deal, investindo maciçamente em infraestrutura pública, como a construção de 800 aeroportos que foi o grande impulso à aviação comercial doméstica e programas de educação. Mas os trabalhos públicos incluíram também dois grandes projetos, um para escritores e outro para artistas, os tais que, segundo o tinhoso assessor de Roosevelt, precisavam comer também.
A ideia de um governo federal, no epicentro do capitalismo, distribuindo dinheiro para cultura não escapou de chacotas. Até o New York Times ajudou a cunhar, em 1935, a expressão boondoggle, feita sob medida para o Brasil da última década. Boondoggle, então usada para fazer troça de artesanato remunerado pela WPA, hoje define um projeto que é um desperdício de dinheiro e tempo, algo que vai em frente para atender um interesse político. Pasadena é boondoggle elevado a crime.
Com milhões de pessoas passando fome, perdendo suas casas e recebendo assistência emergencial, Roosevelt viu na WPA não só um investimento, mas também uma forma de aplacar a desmoralização de tantos por viver de favor. Está aí uma aflição contra a qual boa parte da nossa classe política parece ter sido inoculada.
Além de contribuir para o transporte, educação e saúde até o começo da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, a WPA deixou sua marca indelével na cultura do país. Pelo menos 10 mil artistas foram empregados para pintar, fotografar, encenar, filmar e até fazer acrobacias circenses – estas, por exemplo, patrocinaram um certo Burt Lancaster. Apenas em fotografia, a WPA patrocinou, gente como Walker Evans, Berenice Abbot e Dorothea Lange. Em pintura, Jackson Pollock, Willem de Kooning e Mark Rothko, mais tarde gigantes do primeiro movimento não desembarcado da Europa, o Expressionismo Abstrato.
O país foi remapeado, fotografado e cada estado da federação foi objeto de um guia. Na literatura, que tal, além de Saul Bellow, John Cheever, James Baldwin e Richard Wright? E Orson Welles, aos 21 anos, encenando, pela primeira vez, Shakespeare com um elenco negro no eletrizante Voodoo MacBeth?
Mas o que deu na colunista, um ataque de saudosismo? Não, cansaço com a polarização política que arrasta boa parte da elite cultural e da mídia do Brasil. Ninguém precisa fazer lavagem cerebral e achar que só Marx salva para ouvir tal compositor ou assistir tal ator. Entendo que o PT no poder desfigurou o apoio às artes criando pequenas Odebrechts de favorecidos. Gente que não está na fila da sopa, como estavam tantos da WPA, e que não deve, de modo algum, ser financiada com o dinheiro de quem não tem o que comer. É obsceno permitir renúncia fiscal – eufemismo para tirar dinheiro do Tesouro – para financiar a turnê de uma estrela pop rica ou o livro de uma celebridade mal alfabetizada. Ontem mesmo, joguei fora uma meia dúzia de livros caros patrocinados por uma sopa de letrinhas de organismos federais. E eu não sou de jogar livro fora.
É inevitável que a reação ao híper-aparelhamento petista seja um darwinismo em que só vai sobrar o lixo cultural fácil de vender? A retração do jornalismo representa um desafio à democracia. Se os Estados Unidos, um país continental, perderam boa parte da cobertura de notícias locais, imaginem o Brasil, cujo território contínuo é maior. A EBC deve ser desmontada porque faz propaganda petista? Ou deve ser equipada e gerida com talento independente e não apparatchiks? Se a EBC é um serviço público, não é para concorrer em igualdade com redes comerciais. Mas, se continua dando traço, é por incompetência. Se tem um rombo no orçamento é pela esculhambação da coisa pública. O monólogo de Dilma Rousseff disfarçado de entrevista é um exemplo cintilante da mentalidade que vê o Brasil como um imenso diretório da UNE. Existe uma estrutura com equipamentos e 2600 empregados. É preciso jogar tudo fora? Ou é possível usar a imaginação?