Desesperança política e solidão

O cubano Guillermo Rosales explora a fragilidade dos laços afetivos em A Casa dos Náufragos, sua amarga obra póstuma

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Por WILSON ALVES-BEZERRA É TRADUTOR , PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE LETRAS DA UFSCAR e AUTOR DE REVERBERAÇÕES DA FRONTEIRA EM HORACIO QUIROGA (HUMANITAS/FAPESP)
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WILSON ALVES-BEZERRAA Casa dos Náufragos é um romance póstumo do cubano exilado nos EUA Guillermo Rosales (1946-1993), escrito nos anos 80; trata-se do relato de William Figueras, um esquizofrênico internado numa boarding home de Miami, uma clínica privada de doentes psiquiátricos. Figueras é atormentado por vozes, acessos de fúria e sonhos com Fidel Castro, e tem como companhia uma antologia de literatura romântica inglesa e suas lembranças dos romances de Hemingway.As descrições da vida do personagem na boarding home são cruas, em especial no que se refere aos aspectos da loucura que mais comumente causam repulsa: a falta de sentido, a relação sem constrangimentos com o próprio corpo e com os excrementos. A violência tem destaque e não se limita aos doentes - alcança também os responsáveis pela clínica; um deles estupra as internas, espanca um velho caolho e bebe cerveja sem parar, enquanto aposta sempre no mesmo número nos concursos da loteria.As tintas com as quais a obra é escrita lembram as memórias do também cubano exilado Reinaldo Arenas (1943-1990), que foi amigo de Rosales. Mas não há no autor de A Casa dos Náufragos as peripécias infantis e sexuais de Arenas; o que ambos compartilham é o rancor em relação a Cuba, a Fidel e aos regimes políticos: "Creio que a experiência de quem viveu no comunismo e no capitalismo e não encontrou valores substanciais em nenhuma das duas sociedades merece ser exposta. Minha mensagem será sempre pessimista. Não creio em Deus. Não creio no Homem. Não creio em ideologias", diz Rosales numa entrevista citada no posfácio do livro.Embora A Casa dos Náufragos fale de Cuba e Fidel - que aparece num sonho como um morto-vivo -, não é um livro sobre o totalitarismo. Há um riso amargo dirigido à ilha e isso é tudo. O tema que insiste é o da solidão - e o da impossibilidade de laços afetivos. O humor do protagonista oscila entre dar uma surra de cinto no velho que padece de continência urinária e distribuir beijos aos internos. Há uma cena inquietante: diante de Francis, a louca recém-chegada, Figueras dá vazão a seus impulsos e ora a acaricia, ora a enforca, obtendo como resposta a qualquer um dos atos sempre a mesma frase: "Sim, meu céu".Finalmente, há uma tentativa de sentido pelo amor, de começar uma nova vida a partir de um vínculo com Francis e o apoio da pensão estatal oferecida pelo governo americano. É quando a influência literária de Hemingway se faz mais presente no relato e, de modo soturno, Rosales mostra o que aprendeu com O Velho e o Mar.

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