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Desafios de Ana

Orçamento instável, coquetel legislativo: o que espera a primeira mulher no Ministério da Cultura

Por Jotabê Medeiros
Atualização:

"Se lembra quando toda modinha falava de amor?/Pois nunca mais cantei, Oh maninha", diz a letra de Maninha, de Chico Buarque de Hollanda.

A maninha de Chico, Anna Maria Buarque de Hollanda, de 62 anos, também vai demorar agora para voltar a cantar. Acaba de ser nomeada a primeira ministra da Cultura do Brasil pela presidente eleita, Dilma Rousseff. A agenda de ministro de Estado é elétrica e o último ministro-cantor, Gilberto Gil, teve de rebolar para conseguir conciliar a carreira com o cargo - só lançou um disco em seis anos.Pequena leonina de 1m60, Ana de Hollanda (codinome artístico que escolheu) vai ter de se bater com questões complexas, de naturezas diversas, como ampliar o orçamento de R$ 2 bilhões (ou consolidá-lo, já que está ameaçado de contingenciamento). "Ana vai ter um grande desafio, que é fazer com que o governo dobre o orçamento cultural, que é ridículo, para o ano que vem", analisa Frei Betto, amigo da família Buarque de Hollanda desde 1966. "É uma pessoa muito gentil, agradável. Mas tem suficiente firmeza para se conduzir no cargo, e uma história de militância de respeito", disse a atriz Esther Góes, que a dirigiu em um espetáculo em 1994 no Tuca, em São Paulo.Para Eduardo Saron, diretor do Instituto Itaú Cultural, a experiência localizada de Ana (foi secretária de Cultura em Osasco e do Centro Cultural São Paulo) é um trunfo. "A arte, como a cultura, não se dá no Estado ou na União, mas sim nos municípios, pois a cidade é a primeira esfera cultural do ser humano. Saber que a nova ministra foi secretária municipal de cultura e desenvolveu políticas públicas para uma cidade como Osasco me deixa extremamente feliz, pois essa experiência será determinante na construção das políticas do ministério."O grande teste será em terreno legislativo - a nova ministra terá de se tornar conhecida e palatável entre congressistas, onde estão no momento marcos legais decisivos para o setor. Entre os projetos vitais que Ana deverá encarar em seu début no MinC, em tramitação no Congresso, o principal é o ProCultura (que reforma a antiga Lei Rouanet e cria fundos de incentivo direto). O projeto foi aprovado na primeira comissão da Câmara, há duas semanas, e é ponto nevrálgico de toda a visão cultural da Era Lula.Satélites da nova Lei Rouanet, vêm a seguir o Vale Cultura (adoção de um vale, semelhante aos vales-refeição, que dará R$ 50 para os trabalhadores adquirirem ingressos de cinema, teatro, museu, shows, livros e outros produtos culturais); a criação do Sistema Nacional de Cultura (que formaliza a cooperação entre União, Estados e municípios); e a PEC 150, que estabelece piso mínimo de 2% do orçamento federal, 1,5% do estadual e 1% do municipal para a cultura. Há também a batalha da inclusão da Cultura no Fundo Social do Pré-Sal (projeto de lei 5940/09, já aprovado com emendas no Senado Federal e retornou à Câmara dos Deputados para apreciação das modificações.) Outra legislação em exame no Congresso é o anteprojeto de lei que moderniza a Lei de Direito Autoral (Lei 9.610/ 1998), que tem como principal objetivo abarcar as questões autorais dentro da nova ordem digital. Combatido por setores da área musical, foi acusado de "dirigismo" por associações de classe. É aqui que o garfo entorta: a nova ministra é considerada conservadora no tema. Sua defesa do polêmico Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad) e sua amizade com os compositores Fernando Brant e Ronaldo Bastos (inimigos figadais da dupla Gil-Juca) a opõe frontalmente ao projeto de renovação do marco legal do setor que está no Congresso. Ana não é inexperiente no métier, muito pelo contrário. Atuou à frente de diversos órgãos públicos, entre estes a Funarte e o MIS (Museu da Imagem e do Som), no Rio de Janeiro.O dinamismo da questão cultural é um desafio constante para o cargo. Em mensagem postada no blog de Antonio Grassi, em janeiro, Ana deu um escorregão na digitação - e softwares virou "softers". Sua tese é que os artistas (compositores, intérpretes, etc) são o "elo mais fraco e fácil de neutralizar" no debate. "Essa questão de direitos autorais tem provocado discussões calorosas pelo fato de mexer com altas cifras e propriedade privada, já que a criação artística é um bem inalienável, além de sustento profissional de um contingente enorme de artistas de todas as áreas", escreveu.

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