Dentro de casa, o amor que não ousa dizer seu nome

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Por Maria Eugenia de Menezes
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Diante da porta de entrada do edifício, o negócio é procurar o interfone e tocar no apartamento 72. Logo, logo, alguém vai chegar para lhe resgatar. Quando o elevador subir até o sétimo andar, a porta da sala já estará aberta. Daí, você procura um lugarzinho vago no sofá e espera pelas instruções. Alguém vai oferecer uma bebida - um guaraná, uma cerveja - e explicar quando e como a peça vai começar. Sim, estamos falando de uma peça. Dizer e Não Pedir Segredo, que faz sua estreia hoje, não está em cartaz em nenhum teatro da cidade. Quem quiser assistir à montagem tem duas alternativas: ir até a um apartamento, que fica na Rua Bela Cintra, conferir a breve temporada, ou convidar o grupo para visitar a sala da própria casa. Afinal, é essa a proposta do novo espetáculo que Luiz Fernando Marques, conhecido por seus trabalhos à frente do Grupo XIX de Teatro, dirige agora. Com a recém-criada companhia Kunyn, Marques escrutina a questão da homossexualidade no Brasil. E quer levar a discussão para dentro da casa das pessoas. "Já que esse é um tema que ainda não encontra lugar no espaço público, resolvemos instaurá-lo dentro de um espaço de intimidade", diz o diretor. A ideia é que o anfitrião convide cerca de 20 amigos com quem queira compartilhar Dizer e Não Pedir Segredo. Neste caso, cada um deve desembolsar R$ 15. Doce lar. Na transposição para a sala da sua residência, a peça pode sofrer pequenas alterações. Um ou outro ajuste de iluminação, talvez. Mas, em essência, deve permanecer a mesma: um rosário de breves narrativas, com idas e vindas no tempo, a compor um amálgama entre a história do País e o lugar que coube aos homossexuais em cada um desses momentos. "Tentamos entender o que significa ser um homossexual no Brasil de hoje. A homossexualidade não é um modismo, não é algo que surgiu agora, mas que aparece de diversas maneiras ao longo do tempo. Não por acaso abrimos a montagem com a carta de Pero Vaz de Caminha", comenta Marques. Apesar do caráter histórico da travessia, não há nenhum ranço de didatismo na dramaturgia erigida pelo coletivo. Foi essencialmente do livro de João Silvério Trevisan, Devassos no Paraíso, que os atores Luis Gustavo Jahjah, Paulo Arcuri e Ronaldo Serruya retiraram o estofo de suas divagações. A obra é um compêndio de fôlego que investiga a atuação do Santo Ofício no Brasil, a partir de 1591, contra as denúncias de sodomia, e chega até as transformações trazidas pelas Aids, no final do último século. Ainda que o foco recaia sobre o tratado de Trevisan, também não faltaram cartas, outros livros e episódios pessoais para colorir a trama. DIZER E NÃO PEDIR SEGREDOLocal: Rua Bela Cintra, 619, apto. 72. 6ª e sáb., 21h. Grátis - reservar antes pelo tel. 8564-4248. Até 4/12.

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