Débora Bloch, Fernanda Torres e um cadáver

Primeira peça da escritora Patrícia Melo, Duas Mulheres e um Cadáver, põe em cena duas atrizes acusando-se mutuamente pelo assassinato do marido/amante

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Por Agencia Estado
Atualização:

Louve-se a atitude de Fernanda Torres e Debora Bloch que resolveram apostar na montagem da Duas Mulheres e um Cadáver, primeiro texto teatral da escritora Patrícia Melo, escritora reconhecida por romances policiais como O Matador e O Elogio da Mentira. Uma aposta bem-sucedida. No Rio, o espetáculo lotou o Teatro das Artes. Dirigida por Aderbal Freire-Filho, com cenário de Daniela Thomas e trilha sonora de André Abujamra, a tragicomédia tem tudo para repetir o sucesso em São Paulo, onde estréia sábado no Teatro Cultura Artística. A morte de um psicanalista (Ricardo Pavão) é o ponto de partida da trama que se desenrola inteiramente no consultório do morto. Diante do cadáver, a mulher dele (Debora) e a amante (Fernandinha) acusam-se mutuamente pelo assassinato do marido/amante. Cheia de pequenas surpresas, transitando entre o cotidiano e macabro - o disputado cadáver está sempre em cena, arrastado de um lado para o outro -, a peça transporta para o palco com muito humor o clima de violência e suspense que caracteriza o universo da romancista Patrícia Melo. "Entre os méritos desse texto está o de levar à cena duas personagens com as quais todas as mulheres da platéia se identificam. Patrícia traça um retrato distorcido, às vezes ampliado, da mulher contemporânea, com toda a neurose que ela adquiriu após a emancipação feminina, após a liberação sexual. Ela as vê com uma lente de aumento, o que faz com que as pessoas riam de si mesmas", diz Debora. "Nesse texto, Patrícia retrata o caos afetivo de nossa época. Nada mais vazio do que ter um caso com o analista", diz Fernanda. "Minha personagem é uma mulher hiperatarefada, ela é médica pneumologista, cuida da casa, é uma espécie de faz-tudo, que não pode parar um segundo para não ser tomada pelo vazio, para não perceber o buraco de sua existência. E muitas mulheres se identificam pelo menos em parte com ela, afinal, hoje em dia, além de continuar cuidando da casa a mulher precisa ter uma profissão, estar atualizada, vestir-se bem e malhar muito, pois não se pode perder a forma", diz Debora. "E ainda transar feito louca no fim do dia", completa Fernanda. A amante tem um perfil quase oposto, ela é a falsa tranqüila. "Ela é uma canalhona sem nenhum caráter e também um pouco burra. Mas tem uma certa esperteza e desenvolve seus mecanismos para fugir do sofrimento. Ela toma Prozac entre outros remédios receitados pelo seu psicanalista, e até namora com ele mesmo, fica mais fácil do que resolver isso em outro lugar", diz Fernandinha. A atriz chama atenção para mais essa neurose tão contemporânea, a visão do sofrimento como uma fraqueza imperdoável. "Agora a gente sofre particularmente no analista para não sofrer diante dos amigos. Não importa se a felicidade vem do Prozac, o importante é estar bem." As atrizes ressaltam ainda um outro mérito do espetáculo a interessante inversão dos tradicionais perfis de esposa e amante em comédias do gênero. Normalmente a esposa é retratada como alienada, feia, chata, aquela mulher cheia de bobes na cabeça e a amante a gostosona. "Nessa peça é a personagem da Debora que nada tem a ver com a típica esposa das comédias de gabinete. Ela é inteligente, bonita, ótima profissional, excelente dona de casa. A burra é a amante", diz Fernanda. "Na verdade, são duas mulheres muito sós", completa Debora. Aderbal aproveitou uma brincadeira de Daniela na preparação gráfica do espetáculo - nós duas com a mesma peruca e roupa - e criou coisas a partir dessa idéia de sermos duas facetas de uma mesma mulher", comenta Fernanda. Foi do diretor ainda a solução de ambas terem bolsas iguais. "Elas são nossos bat-móveis, tudo sai de dentro delas", brinca Debora. "Alguém já disse que é difícil fazer poesia com coisas contemporâneas. Nesse espetáculo, os celulares saem da platéia e vão para o palco", diz Freire-Filho. Duas Mulheres e um Cadáver. Tragicomédia. De Patrícia Melo. Direção Aderbal Freire Filho. Sexta e sábado, às 21 horas; domingo, às 18 horas. De R$ 20,00 a R$ 40,00 (sexta e domingo); de R$ 25,00 a R$ 50,00 (sábado). Duração: 1h30. Teatro Cultura Artística - Sala Esther Mesquita. Rua Nestor Pestana, 196, tel. 258-3616. Até 31/5. Estréia amanhã

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