De olho no poder

Fawzia Koofi relata drama para ser a presidente do Afeganistão

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Por MARILIA KODIC
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Ministério do Amor: responsável pela espionagem e controle da população. Ministério do Vício e da Virtude: responsável por evitar crimes contra a moralidade. Embora soem parecidos, os gabinetes têm uma diferença crucial: o primeiro faz parte de 1984, clássico literário de George Orwell, e nunca existiu fora da ficção. Já o segundo não só existiu no Afeganistão como, segundo Fawzia Koofi, 38, achava que seu principal ofício era espancar mulheres na rua. "Foram os anos mais fúnebres do país", diz Fawzia, em entrevista exclusiva ao Estado.Cinco anos antes de colocar setembro de 2001 nos livros de história, o Taleban já instaurava terror no comando de um Afeganistão ainda frágil pós-guerra civil e invasão soviética. Sob o alegado dogma religioso, saqueou museus, queimou bibliotecas, destruiu escolas e universidades e moldou à força o povo afegão aos seus valores, algemados à Idade Média. Para as mulheres, era ainda pior. Proibidas de sair às ruas sem burca, falar com homens com quem não tinham relação de sangue, estudar ou trabalhar; casadas à força, vítimas de violência física, indignas de tratamento médico profissional e passíveis de punição após serem estupradas por alegadamente terem "traído" os maridos; formavam a escória de uma sociedade misógina. De volta a 2013, ainda há generosos resquícios dessa sociedade. "Essa semana mesmo, eu recebi uma carta dizendo para tomar cuidado com a minha segurança pois um grupo Taleban queria me matar", diz Fawzia. Mas não se esquiva: "São ameaças terríveis, mas se tornam pequenas se comparadas ao objetivo maior que se pode ter na vida". O objetivo, no caso, é a presidência do Afeganistão.Narrada na autobiografia A Filha Favorita (Objetiva), a vida de Fawzia se confunde à história social e política do Afeganistão. Filha de uma das sete esposas de seu pai, deixada ao sol para morrer após o nascimento simplesmente por ter nascido mulher, vivenciou anos lúgubres até chegar à Vice-Presidência do Parlamento em 2005, sendo a primeira mulher a ocupar o cargo."Minha família pagou um alto preço por estar na política (o pai e o irmão foram assassinados pelo regime totalitário e o marido, após sofrer várias prisões, contraiu tuberculose e morreu), e às vezes sinto que tudo isso não vale a pena porque requer muitos sacrifícios", disse ela.

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