Dança retoma mobilização no País

Em São Paulo, Rio e Porto Alegre, representantes da classe vêm manifestando sua capacidade de organização e luta

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Por Agencia Estado
Atualização:

Contrariando a má fama de ser despolitizada e desmobilizada, a classe de dança vem demonstrando a sua capacidade de organização. Em São Paulo, no final do ano passado, graças ao recém-fundado Movimento Mobilização Dança, foi aprovada a Lei de Fomento à Dança, encaminhada pelo verador Vicente Cândido à Câmara Municipal. No Rio de Janeiro, reuniões dedicadas à discussão da nefasta política cultural ora em curso por lá ocorrem às terças-feiras no estúdio de Esther Weitzman. Foi também no ano passado que nasceu o Fórum Nacional de Dança, uma rede com representação nacional dedicada a combater a inaceitável gerência que certos profissionais da educação física (representados pelo Confef, seu conselho federal) desejam praticar sobre os profissionais da dança. A proliferação de iniciativas coletivas de caráter reivindicatório quer dizer alguma coisa. Quem está familiarizado com a teoria dos memes de Richard Dawkins sabe que as informações culturais reproduzem-se como uma infecção, isto é, por contágio. Em 1976, num livro chamado O Gene Egoísta, Dawkins pôs no mundo o conceito de meme. O conceito, nomeado pelo dissílabo engraçado - meme -, mereceu reparos do próprio autor alguns anos depois, em outras obras. Inspira-se em outro substantivo de duas sílabas - gene - para propor que a transmissão cultural se dá através de um modelo que lembra o da transmissão biológica. A diferença básica entre gene e meme está no fato de que para o meme (a informação cultural) ser transmitido, basta que ele salte de um cérebro para o outro. Ou seja, basta que um cérebro encontre outro. Se assim for, o fato de um movimento ter sucesso tende a estimular a formação de outros. Ou, em linguagem darwiniana, aquilo que sobreviveu e ganhou uma certa estabilidade, tende a se reproduzir. Reuniões semanais ocorrem agora no Rio e em São Paulo, por exemplo. Em SP, no Espaço Viver (Rua Bela Cintra, 1.491), bailarinos, coreógrafos, pesquisadores, professores e produtores preparam o projeto de regulamentação da lei recém-aprovada. A Lei de Fomento à Dança nasceu de uma iniciativa da coreógrafa Celia Gouvea, que procurou o vereador Vicente Cândido com a proto-proposta de garantir uma dotação para a dança dentro do orçamento municipal. Assim, independentemente de quem quer que esteja ocupando o cargo de secretário da Cultura, existirá uma parcela de recursos já destinada ao exercício da dança. Trata-se de um outro modo de pensar as políticas públicas, a exemplo do que já acontece em relação à Lei de Fomento ao Teatro, cujo mérito primeiro está na possibilidade de uma continuidade liberta da contingência das trocas de comando a cada quatro anos. Em 2001, a dança brasileira já havia demonstrado que sabe combater unida. Surpreendida pela autonomeação do Conselho Federal de Educação Física (Confef) como o único órgão responsável por conferir autorização de exercício profissional a professores de dança, a classe organizou-se no Fórum Nacional de Dança (forumdedanca@grupos.com.br). Criado como resposta a esse abuso, que ensaiava se escudar numa argumentação não científica (a de que só a educação física detém o saber pedagógico sobre o corpo), estava, na verdade, tentando legalizar uma reserva de domínio através da cobrança de anuidades de filiação. O Fórum Nacional de Dança venceu quando o Congresso Nacional reconheceu que a competência da dança cabe a seus profissionais e, desde então, reuniões nacionais e regionais dão seguimento a essa luta. Com as recentes atitudes do secretário das Culturas do Rio, que esvaziou a atuação da RioArte ao instituir a figura de um gestor (Miguel Fallabella) para teatros e lonas municipais da prefeitura, também a classe de dança retomou a sua mobilização exemplar dos anos 90, quando conquistou importante espaço na política cultural local. Em reuniões semanais no Studio Casa de Pedra, discute as especificidades políticas da dança e passou também a integrar a mobilização que hoje envolve outras categorias artísticas no Teatro Sérgio Porto. Em Porto Alegre, a recém-nomeada diretora do Instituto Estadual de Artes Cênicas, Eva Schull, profissional com ampla atuação artística e política em dança, também convocou a classe para encontros quinzenais dedicados ao aprimoramento do diálogo sobre políticas públicas. Mesmo com um olhar de sobrevôo que ainda não deu conta do mapa inteiro, se percebe um espírito de organização e luta onde antes se colecionava queixas individuais. E se esse meme for mesmo tão forte como parece, logo a dança brasileira se dará conta da sua força para conseguir o espaço que lhe cabe.

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