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D. Ivone abre o baú de sambas

Com 12 inéditas, CD gravado por artistas de várias gerações será lançado hoje, no Rio

Por Roberta Pennafort e RIO
Atualização:

Caetano, Bethânia, Beth Carvalho, Monarco, Nei Lopes, Nelson Sargento, Sombrinha, Diogo Nogueira, Áurea Martins, Luiza Dionizio, Delcio Carvalho, André Lara, Juninho Thybau.Artistas de gerações distintas, dos 25 aos 88 anos, amigos, parceiros e/ou devotos de Dona Ivone Lara, eles atenderam ao chamado do samba e registraram em CD composições pescadas em seu baú - gavetas, caixas e pastas com cadernos, rascunhos soltos e fitas guardadas havia pelo menos quatro décadas, além de composições mais recentes.O Baú da Dona Ivone tem 12 faixas; entre as mais antigas, parcerias com Delcio Carvalho, o letrista preferencial há 38 anos. Não É Miragem é uma rara mensagem política no cancioneiro dos dois. De 1981, ainda na ditadura militar, fala que "nosso povo quer mudar/ a voz de quem sofreu/ não pode mais calar". À época, ninguém se animou a gravá-la. Agora, ficou com Beth, uma espécie de curadora do CD, conforme conta o produtor e compositor Bruno Castro. "Beth tinha muito coisa, é uma pesquisadora organizada. Logo disse que queria cantar essa e também me deu À Procura da Felicidade (só de Dona Ivone, e entregue ao pagodeiro Juninho Thybau, sobrinho de Zeca Pagodinho)", conta Bruno, antigo cavaquinista de Dona Ivone e seu parceiro em seis faixas. Em outras duas da dupla Ivone/Delcio, Vento da Tarde (na voz de Nelson Sargento) e Sombras na Parede (de Monarco), mais recentes, o neto músico André Lara (um dos sete integrantes do grupo DNA do Samba, com outros herdeiros de bambas, como um neto de Silas de Oliveira e outro de Martinho da Vila), acrescentou sua assinatura. "Minha avó já fez a parte dela. Hoje, eu componho a melodia, levo para ela, que me explica o caminho certo. Aí o Delcio escreve a letra", explica André, que fez também, e canta, a biográfica Luta Imperiana ("pisei nesse barro que a vó pisou/ no terreiro que abrigou o amor e a saudade") .A Menina e o Tempo (Dona Ivone/Bruno/Zé Luiz do Império) também recupera o passado: "Da infância um alento/ que não canso de lembrar/ o velho tio tão risonho/ me dando sonhos pra guardar/ hoje agradeço a Deus/ por ter tanto para dar." A desiludida Vai é cantada pelo próprio Delcio. "Esse CD tem sobras de tudo o que a gente fez junto", diz o coautor de Sonho Meu, Acreditar, Alguém Me Avisou e Candeeiro de Vovó, entre "umas cem músicas". "Eu sempre fui à casa dela quando ela chamava, mas não temos mais aquela produção. Tenho composto mais com outros parceiros, como Mariozinho Lago e Ivor Lancellotti." Dia do Samba no Bonfim foi criada seis anos atrás por Dona Ivone e Bruno numa viagem para show na Bahia, com Bethânia e Caetano (leia acima texto do compositor). Império e Portela, exaltação às escolas de samba de Dona Ivone e de Diogo Nogueira, vizinhas da zona norte do Rio, é defendida pelo jovem sambista. O clima é de homenagem à baluarte de 91 anos, a quem os tributos vêm se sucedendo. No CD, Caetano a saúda como "a coisa mais linda do Brasil"; Nelson Sargento pontifica que "se a música tivesse forma humana, seria Dona Ivone Lara". Nei Lopes canta Outra Vez, da década de 70. "Dona Ivone foi à minha casa e botei no colo dela um cavaquinho que eu tinha lá, para qualquer eventualidade", relembra. "Aí, ela começou a cantarolar, harmonizando no instrumento, uns 'lararás' muito bonitos. Como quem não quer nada, fui lá dentro, peguei o gravador e gravei o longo solfejo." Os lararás renderam dois sambas, este e Felicidade Segundo Eu, que foi gravado por Elizeth Cardoso. Ainda não se chegou ao fundo do baú. Resistem fitas mofadas, registros só de uma parte de uma música, um cavaquinho solitário (instrumento com o qual a sambista compunha), um contracanto. A dona não deu entrevista, mas mandou dizer que está "muito contente", "achando tudo lindo". "A gente teve que cortar muita coisa, dava para fazer volume um e dois", diz o neto.Dona Ivone não vai arriscar as músicas novas no show de lançamento, hoje, às 19h30, no Teatro Rival. Só deve ser vista no palco ao fim, momento dos clássicos maiores da carreira. Já estão confirmadas participações de Nelson, Monarco, Delcio, Bruno, André, Juninho, Luiza e Áurea. Todos os presentes ganharão o CD, que ainda não tem comercialização e distribuição garantidas. Foi bancado pela prefeitura do Rio, que vai doar cópias para bibliotecas e escolas, numa tentativa de estimular a valorização do samba pelos estudantes.

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