Cynthia Clarey revela as novas faces de Carmem

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Por Agencia Estado
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A personagem Carmem, da ópera de mesmo nome do compositor francês Georges Bizet, já foi interpretada de tantas formas que fica difícil imaginar novas leituras. Para a meio-soprano norte-americana Cynthia Clarey - que interpreta o papel em novembro em uma nova montagem do Teatro Municipal do Rio, dirigida por Iacov Hillel e como regente o maestro Luiz Fernando Malheiro - , no entanto, ainda há muito para ser descoberto em relação à personagem. Em entrevista exclusiva à Agência Estado, Cynthia, que tem representado o papel com sucesso nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália e no Japão, e tem em seu currículo apresentações com maestros como Simon Rattle, Bernard Haitink e Leonard Slatkin, afirma que o que primeiro lhe chama a atenção em Carmem é o que ela representa para as mulheres. "Ela é a primeira mulher totalmente liberada na literatura, viveu como quis, tinha as próprias crenças e soube viver segundo elas". Em sua opinião, a maior dificuldade está nos elementos dramáticos exigidos pelo papel. "Não basta só cantar, a personagem é incrivelmente dramática e exige um cuidado muito grande na interpretação". Cynthia divide a trama da ópera em duas partes. Para ela os dois primeiros atos foram escritos por Bizet para Carmem, enquanto os últimos dois foram reservados ao personagem d. José. Ela ressalta, no entanto, que esta não é uma diferença que se mostre de maneira evidente, mas, sim, que está implícita na maneira como o compositor conduz a trama e a partitura. Para Cynthia, d. José é deixado, muitas vezes, de lado por diretores que focam toda a ação em cima de Carmem. "Ele é fundamental para a trama, para que o público compreenda quem é Carmem e o que ela significa", diz. Em sua interpretação, d. José surge como uma figura forte o suficiente para confrontar Carmem com o seu estilo de vida - no segundo ato, ela se mostra apaixonada e afirma que, por um instante, acreditou que amava o soldado. "Ele é um homem diferente de todos os outros que já conhecia e ela interpreta essas diferenças como fraqueza, o que não é verdade se você estudar com cuidado o libreto". Cynthia conta que quando interpretou pela primeira vez o papel de Carmem buscou elementos que possibilitassem a ela construir uma nova interpretação, diferente daquilo que "todos conhecem". "As pessoas em geral têm uma idéia já formada sobre Carmem, o que dificulta o nosso trabalho; no entanto, acho que se ficar atenta a pequenos detalhes, coisas aparentemente sem importância como a noção de perigo que envolve e guia a sua vida posso descobrir novos aspectos da personagem". Nesse sentido, ela recorda uma montagem na qual foi dirigida pelo inglês Peter Brook. "Foi um dos mais belos momentos de minha carreira, ele nos mostrou coisas que nunca havíamos imaginado e nos fez experimentar diferentes aspectos de interpretação". Paixão - Cynthia justifica a popularidade de Carmem a partir de dois elementos que, em sua opinião, são fundamentais para se compreender o significado da trama e seu lugar na história da ópera. O primeiro é a música. "A forma é perfeita, a sensação que ela passa é contagiante, maravilhosa e, além disso, não há nota na partitura que seja desnecessária, cada uma delas tem uma função na composição da atmosfera da ópera". O segundo elemento é a trama. A ópera narra a atribulada história de amor entre Carmem e o soldado d. José que, louco de paixão, não resiste à rejeição da cigana, matando-a. "Não há quem não se identifique de alguma forma com a história, os personagens dessa tragédia são maiores do que a própria vida, são universais". Além de Carmem, Cynthia tem interpretado um considerável número de personagens do repertório contemporâneo. "A escolha desses papéis não se dá por acaso e eu procuro sempre olhar com atenção um novo papel, para compreendê-lo antes de criá-lo." Apesar da insegurança natural, ela diz adorar o desafio. "É muito boa a sensação de vencer o desafio e perceber que você, de alguma forma, ajudou a criar algo".

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