Curtas em mostra desigual

E o provocativo longa O País do Desejo fala de ciência e religião no Festival de Gramado

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Por Luiz Carlos Merten e GRAMADO
Atualização:

Mais de 300 curtas foram submetidos à comissão de seleção do Festival de Gramado. O curador, o crítico gaúcho Hiron Goidanich, selecionou 16. O primeiro programa de curtas foi exibido na segunda. Quatro títulos desiguais, incluindo A Verdadeira História da Bailarina de Vermelho, de Alessandra Colasanti e Samir Abujamra, que já havia sido apresentado no Festival do Rio do ano passado, como complemento de Luz nas Trevas, de Helena Ignez.Os dois filmes - ambos conceituais - dialogavam perfeitamente. Ontem, a Bailarina ficou confinada num programa muito desigual. "Pretensioso" foi a menor das críticas que o filme recebeu. Alessandra é filha da escritora Marina Colasanti. Ela criou a personagem, a Bailarina, para encarar questões relativas à arte moderna. Mais do que pretensioso, porque a palavra carrega sempre um componente negativo, o filme é ambicioso. Possui camadas de linguagem e interpretação.A bailarina circula entre artistas e teóricos da arte contemporânea. Vira um hit da internet e do mundo acadêmico. Desaparece no carnaval carioca. A personagem, tal como é interpretada pela própria Alessandra, possui uma carga irônica muito forte. O filme tem ecos de Woody Allen (Zelig), Alain Resnais (Meu Tio da América) e até Jorge Furtado (A Ilha das Flores). Destoava tanto do primeiro lote de curtas da programação que foi lançado na vala comum, à qual não pertence.Havia grande expectativa pelo concorrente brasileiro da segunda à noite, na mostra de longas, O País do Desejo. Paulo Caldas pertence à nova geração de cineastas do Recife. Ele codirigiu Baile Perfumado com Lírio Ferreira e fez sozinho Deserto Feliz, que ganhou muitos prêmios aqui em Gramado, há alguns anos. O cinema pernambucano possui uma ressonância estética, por certo, mas o componente social é sempre muito forte. Caldas surpreendeu pela mudança de tom.Ele fez um filme sobre a elite, misturando ciência e religião. A pianista Maria Padilha está morrendo por uma insuficiência crônica dos rins. Ela é operada pelo doutor Gabriel Braga Nunes, que tem um irmão padre, Fábio Assunção. O religioso provoca a ira do bispo por apoiar o aborto de garota estuprada pelo tio. O caso é real e movimentou o Brasil, mais do que o Recife. Atua como deflagrador de uma crise de vocação do padre. Ele se apaixona pela música.Alguns críticos levantaram uma questão de ordem no debate. O filme nasceu como um projeto de atriz. Paulo Caldas, como autor, não estaria presente. Ele foi veemente - disse que nunca foi mais Paulo Caldas e encerrou a questão. Assumiu que o que lhe interessava era a história de amor. Putting melos into drama, Vincente Minnelli e Douglas Sirk. Caldas, um diretor de melodramas? A proposta é essa, mas ele não perdeu a provocação nem a safadeza.O País do Desejo é desconjuntado - para dizer-se o mínimo -, mas tem uma cena ótima. Há uma japonesinha fashion que vem ser a enfermeira da mãe de Fábio e Gabriel. Ela está em coma profundo. A garota é libertária, curte mangás eróticos. Na tal cena, ela come as hóstias preparadas pela doméstica como se fossem fritas, mergulhando-as no ketchup. O amor prevalece sobre a intolerância. Existe esperança para a elite brasileira?Las Malas Intenciones, da peruana Rosario Garcia Montero, também trata da elite do seu país. Uma menina, filha única, surta ao receber a notícia de que vai ter um irmãozinho. O filme constrói-se do ponto de vista dela, num momento emblemático, os anos de 1982 e 83, quando o Sendero Luminoso está atacando em Lima. A menina é uma pequena "malvada" (lembre-se do clássico de Joseph L. Mankiewicz). Rosario, como Carlos Saura (Cria Cuervos), não tem ilusões sobre a inocência da infância. A menina que interpreta o papel lembra muito Ana Torrent, do filme de Saura. Mas Ana também fez O Espírito da Colmeia e, como no filme de Victor Erice, a menina de Las Malas Intenciones viaja entre fantasmas de sua imaginação. É muito interessante.LATINOSInconvenientesJá virou o tormento dos críticos, e não é de hoje. Gramado não atrai muitos representantes das equipes dos filmes estrangeiros. Não veio ninguém representando Las Malas Intenciones. Não houve debate sobre o filme e, para complicar, a cópia de vídeo não permite avaliar a qualidade da fotografia. Pior - o concorrente mexicano, A Tiro de Piedra, passou numa cópia de trabalho, com o selo do Instituto Mexicano de Cinematrografia no centro da imagem. E, mesmo assim, os filmes latinos ainda estão melhores.

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