Cultura exibe "Ensaio" com Nara Leão

Na semana em que a cantora completaria 61 anos, a emissora reprisa programa gravado em 1973, com cerca de 40 números musicais e uma coleção de boas histórias sobre a música brasileira

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Por Agencia Estado
Atualização:

Nara Leão era a musa da bossa nova. No apartamento em que morava, adolescente, com os pais, nos anos 50, reuniam-se amigos que formava o núcleo do movimento: Carlos Lyra, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Johnny Alf, João Gilberto. Mas quando foi gravar seu primeiro disco, a menina de classe média havia se dado conta de que havia mais do que sorriso, flor e amor no mundo. Havia pobreza, fome, favela. Gravou Nelson Cavaquinho, Cartola, Zé Kéti. Seu segundo disco foi o Opinião - e dele nasceu o histórico show que pôs ao vivo os aqueles músicos do morro, no palco, para olhos de quem não os enxergava. Participou - brevemente - da Tropicália, gravou Roberto Carlos, cantou boleros, fez versões para música francesa, cantou música de protesto, canções de domínio público, autores do início do século, modinhas imperiais, fez dueto com Erasmo Carlos, fez filme com Maria Bethânia (a quem descobriu) e Chico Buarque, gravou cantigas de roda e lançou autores que ainda hoje estão entre os mais importantes da música brasileira - Chico Buarque, Sidney Miller, Edu Lobo e por aí vai. Nara morreu no dia 7 de junho de 1989, cinco meses após haver completado 47 anos. Completaria 61 anos no domingo. Para marcar a data, a TV Cultura reprisa amanhã às 22h30, o programa Ensaio gravado com ela em 1973. O Ensaio, dedicado exclusivamente à música brasileira, é um programa criado por Fernando Faro, com formato único: o artista aparece na tela, sempre em closes bem fechados, e responde a perguntas que não são ouvidas pelo telespectador. Ilustra o que diz com canções pertinentes. Neste Ensaio com Nara Leão, ela se acompanha ao violão. Nascida no Espírito Santo, foi para o Rio ainda menina. Conheceu Roberto Menescal, ficaram amigos, depois namorados. Nara tinha 11 anos quando ela e Menescal começaram a estudar violão com Patrício Teixeira, cujo método de ensino tinha o curioso nome de Capadócio. No colégio, os dois sentavam-se juntos, no fundo da sala, e em vez de assistir às aulas, ficavam cantando. Mas ela não pensava em ser cantora, em ganhar dinheiro com música, nada disso. Nem sabia o que pretendia fazer na vida - mas não era música. "Durante uma época, resolvi que seria montadora de filmes", conta, no programa. "Andava com a turma do Cinema Novo e aprendi a montar filme" - conheceu, na ocasião, fim dos anos 60, o cineasta Cacá Diegues, com quem veio a se casar. Cantava porque era prazer. A turma da bossa nova era chamada para mostrar aquela batida diferente, criada por João Gilberto, nas universidades - e Nara ia, pelo gosto de cantar. Acabou por tornar-se uma das personalidades fundamentais da história da música brasileira contemporânea. No programa que a TV Cultura exibe amanhã, Nara começa cantando, a capela, a valsa Soneto, de Chico Buarque, melodia extremamente complexa, letra muito elaborada. O Soneto foi composto para a trilha sonora do filme Quando o Carnaval Chegar, de Cacá Diegues. Ainda do filme, canta trechos de Minha Embaixada Chegou, de Assis Valente, e de Cantores do Rádio, de Lamartine Babo e Braguinha, que, na tela, fazia a três vozes com Maria Bethânia e Chico Buarque. Fala das aulas com Pacífico Teixeira e tenta cantar Sabiá Laranjeira, dele - gravaria a canção, alguns anos depois. E inicia o passeio pelo largo universo de seu interesse musical - Insensatez, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Preconceito, de Wilson Batista e Marinho Pinto (canção que João Gilberto gostava muito de cantar, naqueles primeiros tempos da bossa), Você e Eu, de Carlos Lyra e Vinícius, Diz Que Fui por aí, de Zé Kéti e H. Rocha, O Sol Nascerá, de Cartola, Luz Negra, de Nelson Cavaquinho. Conta que, quando resolveu gravar o primeiro disco, procurou a gravadora Columbia (hoje Sony) e queria cantar Insensatez. Os executivos achavam a música chata (palavras dela) e diziam que ela cantava de forma chata. Propuseram que ela anasalasse a voz e gravasse boleros. Nara não topou. Se era para mudar tudo, então ficaria em casa. Mas surgiu a gravadora independente Elenco, de Aloísio de Oliveira. "Só que aí eu não queria mais cantar bossa. Havia descoberto o outro lado do Rio, o do samba, o da pobreza" - e fez um disco quase todo de samba. Fez uma excursão européia e ganhou convite para cantar nos Estados Unidos, com Sérgio Mendes. Estava cansada de viajar e preferiu declinar do convite. Isso se deu quando Oduvaldo Viana Filho e Flávio Rangel escreviam o show Opinião. Depois participaria de outro espetáculo de texto e música (não era bem teatro musical), com Paulo Autran e Odete Lara. Bethânia substitui Nara, adiante, no Opinião. Nara havia ouvido o grupo baiano (Bethânia, Gil, Caetano, Gal, Tom Zé) durante uma viagem a Salvador. "Quem me impressionou, na época, do grupo, foi Bethânia, que tinha um jeito muito especial de cantar", conta. "De qualquer forma, trouxe uma fita com as músicas dos compositores do grupo. "Mas eu não tinha gravador de pilha e a ciclagem do Rio era diferente da de Salvador. Por isso, nunca pude ouvir a fita. E perdi a chance de lançar É de Manhã, do Caetano." Aliás, de Caetano, esboça melodia e versos da bossa Amor, Paixão Modesta, que pretendia gravar, naquele início dos anos 70, mas não gravou, sabe-se lá por que. Talvez nem o autor lembre-se mais da composição. Entre vinhetas e músicas inteiras, o Ensaio com Nara Leão tem perto de 40 números musicais e mostra uma coleção de histórias interessantes e reveladoras sobre a música brasileira dos anos 50 aos 70. É um belo programa - nos dois sentidos.

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