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Crônicas, ironias e declarações de amor

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Se Bia Lessa resolve em parte a questão cênica, Vanessa da Mata dedica-se com mais empenho ao conteúdo musical do novo show e várias interpretações soam melhores ao vivo do que no bom CD Bicicletas, Bolos e Alegrias. Em parte porque, desde que a gente a conhece dos tempos da fita demo com Joãozinho e Viagem, a cantora não é do tipo domável. Não que isso signifique prepotência ou inflexibilidade, mas certeza combinada com espontaneidade, o que a faz às vezes ficar pouco confortável com as marcações de palco da diretora. Ao que parece, porém, é só questão de tempo para adaptação, em alguns momentos. Em outros, parece que não vai ter jeito, já que as amarrações interferem na fluência do show. Mas Vanessa até que não demora a se soltar, em canções suingadas que se seguem à abertura e voltam no animado bloco final. É quando reúne duas das melhores canções do álbum, Fiu Fiu e Bolsa de Grife, esta com um arranjo cheio de nuances, variações e guitarra fuzz, que lembram os Mutantes.Kassin, que produziu o CD, também assina a direção musical do show e comanda uma ótima banda - formada por ele no baixo, Gustavo Ruiz (guitarra), Donatinho (teclados), Stephane San Juan (bateria) e Maurício Pacheco (guitarra), o único que não participou das gravações do CD. Imprimindo sua marca da mistura pop inteligente e acessível, Kassin prima pela solução do menos que vale mais. Tudo soa muito simples, mas no fundo é bem elaborado. E, como a interpretação da cantora, os arranjos ganham corpo ao vivo.O produtor traz elementos em comum com o gosto estético de Vanessa, como as influências africanas e afro-caribenhas (que entram pelo Norte do País). Em canções como a que dá título ao disco e ao show, Moro Longe, Meu Aniversário, Bolsa de Grife, O Masoquista e o Fugitivo e Joãozinho. O moderno e o ancestral, o contemporâneo e o vintage conjugados, de acordo com o universo cotidiano que ela aborda nas letras coloquiais das canções - espécies de crônicas de costumes, com boas doses de ironia, e declarações de amor -, ao mesmo tempo em que assume uma carga poética.O cenário, com silhuetas de edifícios e de casas que servem de telas para as diversas projeções, limita a banda ao canto direito do palco. No extremo oposto há um tablado com alguns degraus e uma porta, aludindo à casa e, portanto, às situações corriqueiras das canções, que, pelo visto no show em Salvador, não fazia muito sentido. Ou pelo menos Vanessa não parecia muito à vontade, ao interpretar canções como O Tal Casal, Te Amo e Ilegais, em posições um tanto forçadas no cenário, com o vestido branco esvoaçante sob efeito de ventilador. Desnecessário.Outro problema é uma capa preta, de modelo inadequado ao perfil da cantora, que ela custa a tirar, no bloco deprê do show (a cor que não lhe cai bem é para dar a ideia de luto). As canções - À Distância, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, Vá, Boa Sorte, Longe Demais, O Masoquista e o Fugitivo - falam por si e dispensam ornamentos. Redundância. Bia Lessa é também chegada a uma redundância. Lembram-se de Gal Costa pisando em folhas secas ao interpretar, hã, Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho?. Pois, agora quando Vanessa canta Palavras (um dos bons números do show logo no início), adivinhe o que aparece escrito no cenário? E quando chega a Bolsa de Grife, o que aparece projetado? Vários modelos do acessório feminino. Entre outras projeções de efeito duvidoso, há até trechos do filme 30 Anos Esta Noite, de Louis Malle, que dão um charme especial, de referência culta.O roteiro bem amarrado inclui todas as canções autorais do novo CD mescladas com bons êxitos dos anteriores, como Amado, Ilegais, Ai, Ai, Ai, Vermelho, Joãozinho, Não Me Deixe Só, em contagiante novo arranjo de sambalanço, Minha Herança, Boa Sorte (com Donatinho fazendo o papel de Ben Harper usando efeito de vocoder). É pela música que Vanessa supera a encenação e faz o show valer a pena. VANESSA DA MATACD: Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias. Gravadora: Jabuticaba/Sony Music. Preço: R$ 21,90

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