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Crônicas de SP: O roteiro das minhas férias

O que era um roteiro intenso em Lima (Peru) e Cidade do México precisou se transformar em passeios ao supermercado e à farmácia

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Eis que as minhas tão sonhadas férias caíram no meio de uma pandemia. O que estava previsto, reservado e pago precisou ser cancelado, renegociado ou simplesmente deixado para trás. E o que era um roteiro intenso em Lima (Peru) e Cidade do México precisou se transformar em passeios ao supermercado e à farmácia. Sim, amigos, minha programação de férias está focada nos dois únicos lugares que tenho visitado – com muita parcimônia e máscara.

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Vou começar por minhas incursões ao mercado. Tento ir cedinho, logo depois do horário reservado aos idosos. Levo minhas próprias sacolas e sigo fazendo cálculos de distância em relação aos outros pedestres. Minha régua de separação é até onde minha miopia alcança. Se a rua é só minha, ensaio um passo extravagante, um moonwalker mulambento (estou planejando uns passos de Gene Kelly para quando a chuva me surpreender no caminho). Se avisto um amigo do outro lado da rua, mando um “olá” sonoro ou um “bom dia”. Agora, se alguém vem ao meu encontro, penso logo em como agiria se fosse uma ex-namorada se aproximando. Ou seja, atravesso para o outro lado da calçada e apresso o passo.

Então, chego ao supermercado. Na porta, lavo as mãos com o álcool em gel e sigo driblando os outros clientes. Me sinto como se eu fosse um torrão de açúcar esquecido em cima da pia. Um torrãozinho de açúcar que vai sendo cercado por formigas até ser totalmente coberto e... Não, essa imagem é ruim. Nem eu sou tão doce e nem os outros clientes são formigas, claro. Mas vocês entenderam a ideia por trás da imagem de aglomeração ao meu redor, não é?

Minhas compras envolvem chocolate, salgadinhos e frutas que podem virar ingredientes para coquetéis. Café em cápsula está me levando à falência. Também tenho adquirido certa expertise em papel higiênico – taí uma coisa que não vale a pena economizar.

Estou me viciando em suco de melancia. Compro sempre que visito o supermercado. É minha cloroquina. Eu sei, assim como o remédio, o suco também não cura o coronavírus. Mas tem a vantagem de não ter nenhuma contraindicação e me fazer parecer um cara saudável.

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No mais, se a pandemia demorar muito, vou acabar me apaixonando por uma caixa do supermercado. Sempre vou na fila dela. Sou atendido com um sorriso no rosto e amo o jeito com que me oferece um pouco mais de álcool em gel. Tem um erotismo contido e respeitoso aqui, caro leitor(a). Bom, meu outro destino de férias é a farmácia. Um passeio um pouco mais tenso. Lá, as distâncias são absolutamente respeitadas e não tem nenhuma atendente apaixonante.

Dia desses comprei preservativos. Não sei bem por quê. Acho que por um otimismo descontextualizado. Sei lá, penso no futuro. Mesmo que esse futuro ainda demore para chegar (checando prazo de validade dos preservativos).

O pior da farmácia é quando compro comprimidos para gripes e resfriados, vitamina C efervescente e um anti-inflamatório. Nestas situações, sinto o olhar acusador dos outros clientes: “Tá querendo enganar quem, rapaz? Eu sei o que você está sentindo, eu sei o que você tem...”.

Quando isso acontece, volto pra casa correndo (mantendo as distâncias regulamentares) e faço um teste peculiar. Para ter certeza que não perdi o olfato (um dos sintomas do coronavírus), me permito um ligeiro peidinho domiciliar. Coisa simples, silenciosa e solitária. Sei que é algo que pode parecer nojento, mas é uma forma segura de me testar em relação à covid-19.

Basicamente, essas são minhas férias. Acho que ia gostar mais de Lima ou da Cidade do México.

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