Crônicas de José Castello ganham edição em livro

Jornalista e escritor, José Castello tem 70 das crônicas que produziu para o Caderno 2 reunidas em livro. Em entrevista, o autor fala da dissolução dos gêneros literários

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Narro para me esconder e para me perguntar afinal quem sou capaz de ser, diz o jornalista e escritor José Castello acerca de seu trabalho como cronista, reunido dentro da coleção Melhores Crônicas da Editora Global (300 págs., R$ 35). O livro traz 70 crônicas escritas por ele para o Caderno 2, selecionadas pela professora Leyla Perrone Moisés. "Amante da boa literatura e freqüentador de grandes escritores, Castello não sofre daquela ingenuidade ignorante que leva tantos cronistas a se satisfazerm com bate-papos egocêntricos e descartáveis", escreve a professora, que também assina o prefácio do livro, sobre o qual o autor deu a seguinte entrevista ao Estado. Reunidas em livro e publicadas fora de seu habitat original, as páginas do jornal, as crônicas devem ser lidas de modo diferente? Não sei dizer como minhas crônicas devem ou não ser lidas. Cada leitor lê de uma maneira particular, e é essa diversidade de leituras que engrandece a literatura. Minhas crônicas têm, de fato, um caráter ambíguo. Definidas como "crônicas", tanto nas páginas do Estado, como agora em livro, elas tendem a criar certas expectativas no leitor. Ele tenderá sempre a achar que aquela "primeira pessoa" que narra a crônica é o Castello que aparece na assinatura. Só que, em minhas crônicas, o Eu que narra é, a cada vez, um Eu diferente. Em "Na Cobertura de Rubem Braga" você utiliza as crônicas do escritor como subsídios para recriar sua vida. Como definir o José Castello que o leitor descobrirá nas "Melhores Crônicas"? Rubem Braga escrevia crônicas confessionais. Certamente, fantasiava também, imaginava, exagerava, mas quase sempre partia das circunstâncias de sua vida. É como escrevem, em geral, os cronistas clássicos, calcando-se sempre na experiência. Acontece que a crônica é um gênero híbrido, de fronteira, que fica a meio caminho entre o jornalismo e a literatura. Por isso, o leitor tende a tomá-la como "verdadeira", isto é, como algo que "de fato aconteceu". Afinal, as crônicas estão nos jornais, lugar suposto da objetividade e da verdade. É com essa suposição de verdade que eu gosto de jogar. Para mim, a crônica é, antes de tudo, um gênero literário. Você poderia falar em influências no seu trabalho como cronista, seja de autores ou de atividades como a de repórter ou crítico literário, por exemplo? Sou muito interessado por esses autores fronteiriços, que jogam com a credibilidade dos gêneros literários. Vivemos na época dos transgênicos, das transnacionais, dos transsexuais, dos trânsfugas. É uma época em que os limites clássicos se rompem e já não são referências seguras. Basta ir à internet, que está infestada de textos apócrifos, de pseudônimos, de falsificadores. Também a relação do escritor com a literatura perdeu muito da segurança e da coerência que tinha no passado. Os gêneros já não são mais confiáveis, nem seguros, e muito menos suficientes. Pessoalmente, sempre vivi esse duplo papel de jornalista e escritor. O que me interessa não é decidir se sou jornalista, ou se sou escritor, mas sim explorar as tensões e os limites entre essas duas identidades.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.