Crítica: Filme propõe um olhar amoroso mas não idealizado

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Por LUIZ ZANIN ORICCHIO - O Estado de S.Paulo
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Cao Hamburger pensou a saga da criação do Parque Nacional do Xingu da maneira como foi - resultado de idealismo e do sentimento de aventura. Qualidades, aliás, que se foram erodindo com o tempo até caírem de moda, pelo menos no plano prático. Nos discursos vazios, continuam sendo palavras nobres. Os irmãos eram de fato aventureiros, mas nada preocupados em amealhar riquezas. Era o aspecto humano que os tentava. No caso, a sobrevivência dos índios no interior de um país que já começava a fechar-lhes o cerco. Sua missão era basicamente humanística, no que essa qualidade tem de mais nobre: respeitar e preservar culturas alheias. Mesmo que seja à força: numa das cenas, uma família é arrancada da sua terra, sob ameaça de arma, e embarcada rumo ao Xingu. Se permanecesse onde queria, seria dizimada. É bom também que os Villas Bôas não sejam apresentados como seres perfeitos. Cada um deles é visto em suas contradições. Leonardo (Caio Blat) com sua fraqueza e o envolvimento com uma índia; Cláudio (João Miguel) com suas incertezas, o que faz dele o personagem mais complexo, muito por mérito do ator; Orlando (Felipe Camargo), com seu senso prático obstinado. Há conflitos entre os irmãos. Leonardo é alijado do grupo. Cláudio acusa Orlando de excessiva flexibilidade política; este lhe responde que, sem negociar, nada conseguiriam. É verdade. Tanto assim que obtém a assinatura do decreto que cria o Parque Nacional do Xingu do mais improvável dos personagens, Jânio Quadros, em sua breve e desastrada presidência. E há os índios, seu meio ambiente, seu modo de ser, que se tornam, de fato, os personagens maiores deste filme amoroso, mas nada piegas e nem cultor do mito do bom selvagem. A natureza é tanto sedutora quanto hostil. As relações humanas, tão fraternas quanto ásperas em algumas passagens. E, do todo, fica a sensação desolada de que, no encontro entre duas culturas, sendo uma muito mais predatória que a outra, uma delas tende a sucumbir. Xingu descreve esse ato heroico de preservação, sempre precário, sempre provisório, felizmente contra a lógica do mais forte. Essa disposição de lutar contra as evidências é o grande legado dos Villas Bôas.

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