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Crítica brasileira emociona platéia em Paraty

Tanto a palestra de abertura, feita pelo crítico Davi Arrigucci Jr., como a de encerramento, pelo músico e crítico José Miguel Wisnik, ambas sobre Guimarães Rosa, foram as melhores da FlipVeja Galeria de Fotos

Por Agencia Estado
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Apesar de Chico Buarque, que censurou os críticos na mesa dividida com o escritor norte-americano Paul Auster, foram eles que fizeram as melhores palestras da segunda edição da Festa Literária Internacional de Paraty, encerrada hoje na cidade fluminense. Coincidentemente, tanto a palestra de abertura, feita pelo crítico Davi Arrigucci Jr., como a de encerramento, pelo ensaísta, professor e compositor José Miguel Wisnik, elegeram como tema a obra do escritor Guimarães Rosa, autor de Grande Sertão: Veredas. Wisnik foi aplaudido de pé por uma platéia emocionada de 500 pessoas. Uma mulher, vista no telão, chorou quando ele, analisando o caráter ambivalente do Brasil, disse que o País pode ser visto tanto como um droga que salva como uma droga que mata. ?A questão da droga não se resume ao tráfico, mas de um Brasil que se construiu na ambivalência de uma mercadoria ao mesmo tempo maldita e procurada?, observou. O que parecia impossível, ou seja, associar um conto de Rosa escrito há quase meio século com o Brasil atual do tráfico e da corrupção, tornou-se natural nas palavras cuidadosamente escolhidas por Wisnik. Ele deu sua interpretação do conto Recado do Morro, originalmente o texto central de uma série de sete novelas do livro Corpo de Baile. Ele narra a história de uma expedição, que reúne um naturalista de origem estrangeira (possivelmente um dinamarquês), um latifundiário e um padre, guiados no sertão mineiro por dois iletrados. O conto foi escrito na mesma época da obra-prima de Rosa, Grande Sertão: Veredas (1956), brilhantemente analisado por Davi Arrigucci na abertura do Flip. Comparando seu único romance com dois épicos da modernidade, Berlin Alexanderplatz, do alemão Alfred Doeblin, e Ülysses, do irlandês James Joyce, o crítico mostrou com o encontro entre o rústico Riobaldo e o delicado Diadorim, em Grande Sertão: Veredas, representa a transcendência a que tanto aspira o Brasil, ainda marcado por traços arcaicos e em estado bruto, para uma dimensão que abranda nossa ?demonice?. A palestra de Wisnik sobre o conto que descreve o encontro entre duas culturas ? a oral, iletrada, do sertanejo, com a hiperletrada do naturalista dinamarquês ? caminhou na mesma direção. Rosa, segundo ele, fala de um mundo onde a lei ainda não se estabeleceu, formado por senhores do engenho que agregam numa só pessoa as figuras do juiz e algoz, do legislador e executor das leis. Esse ?mandonismo? brasileiro termina numa epopéia sangrenta em Rosa (e no mundo real, considerando a violência reinante no Brasil). Mas Rosa, generosamente, acena com uma esperança no título, segundo Wisnik: a palavra ?recado.? Sem tradução em outras línguas, como sertão ou saudade, recado é a palavra em movimento. ?Somos os portadores daquilo que está se transformando e nosso desafio está no mesmo sentido do recado de Rosa?, conclui. O Brasil arcaico, enfim, se abre. Resta esperar que ele não acabe em luta de morte, como no final do conto de Rosa.

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