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Cristina Ortiz brilha no piano e na conversa

Por João Marcos Coelho
Atualização:

A noite de anteontem, na Sala São Paulo, teve dois tempos distintos. Quem chegou cedo teve a rara chance de conhecer, a partir das 19 horas, a pianista brasileira Cristina Ortiz. Ela conversou com o público por 50 minutos no salão nobre, dentro da série "Música na Cabeça", iniciativa conjunta da Osesp com o Estado. Uma hora depois, solou o raro Concerto n.º 2 para piano e orquestra, do compositor sueco Wilhelm Stenhammar. Abrindo o programa, o maestro russo Alexander Vedernikov regeu as Danças Polovitsianas, de Borodin e, na segunda parte, a Suíte n.º 3 em sol maior, opus 55, de Tchaikovski.Música no corpo. Uma das qualidades da baiana Cristina Ortiz, há 37 anos na Europa, é a franqueza. Ela responde tudo "na lata". "Percebe-se que você sabe bem não só a sua parte, como a da orquestra. Foi um caminho para arriscar-se na regência?" Resposta: "Saber a parte da orquestra é questão de sobrevivência. Só assim consigo respirar junto com a orquestra e o regente. Sinto no corpo a música." Acentuou sua solidão: "Se tenho um piano comigo, estou bem; ele é minha voz." Repertórios? "A gente escolhe o que pode e o que pedem. Para hoje, propus o segundo de Brahms, mas a Osesp não queria repetir um programa feito no ano passado; então chegamos a Stenhammar, que já gravei e, por coincidência, considero uma espécie de terceiro concerto de Brahms", brincou.Ela só foi discreta ao não comentar as rusgas com John Neschling em sua última passagem pela Sala São Paulo em 2005, quando gravou o Choros 11, de Villa-Lobos, com a Osesp. Mestres? "Primeiro Magdalena Tagliaferro, que é o perfume, uma pianista capaz de "chopinizar" tudo; depois, Rudolf Serkin e seu imenso respeito à partitura; e finalmente Vladimir Ashkenazy, com quem aprendi que performance é uma questão de distribuição de energia." E a Osesp de ontem e de hoje? "Está completamente diferente. Achei os músicos muito calmos, mais distantes." Cristina praticamente comandou, de sua banqueta inclinada em direção ao piano, a performance do concerto de Stenhammar. A rica escritura pianística leva o solista a conduzir a obra, em quatro movimentos interligados: introdução, scherzo, adagio e finale. Confrontados entre duas tonalidades opostas, dó menor e ré menor, piano e orquestra "brigam" até o primeiro vencer e instaurar um grandioso finale em ré maior. Cristina foi extraordinária. No extra, uma delicada interpretação de Clair de Lune, da Suite Bergamasque, de Debussy.Mas o concerto como um todo foi desequilibrado. Sabia-se que 99% da plateia presente não conhecia Stenhammar. Talvez por isso, as peças restantes pecaram por excessivo populismo. Regente e orquestra ligaram o piloto automático nas arquiconhecidas Danças Polovitsianas, hoje em dia só ouvidas em concertos ao ar livre (até as trompas desafinaram). Não se justifica trazer um regente russo para fazer só isso e também a Suíte n.º 3, obra evidentemente menor, porém imensamente popular de Tchaikovski. Por que não Grieg ou Sibelius, outros nórdicos, ou mesmo uma sinfonia de Tchaikovski, Rachmaninov, Prokofiev ou até Shostakovich? Cotações: "Música na Cabeça": ótimo; concerto no. 2 de Stenhammar com Cristina Ortiz: ótimo; Borodin e Tchaikovsky: regular.

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