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Crianças vêem muita TV e pouca qualidade

Espectadores de 4 a 11 anos passam no mínimo 2 horas e 37 minutos por dia em frente da TV, em geral assistindo a programas inadequados e de baixo nível

Por Agencia Estado
Atualização:

O que as crianças assistem? Quais são os programas preferidos por elas? Boa parte dos meninos e meninas entre 4 e 11 anos gasta no mínimo 2 horas e 37 minutos na frente da TV, segundo os números do Ibope em pesquisa realizada em março, na Grande São Paulo. De acordo com Catharina Bucht e Cecilia Von Feilitzen, autoras do livro Perspectivas sobre a Criança e a Mídia, a televisão é a diversão preferida das crianças, que assistem, além dos programas infantis, a novelas e filmes para adultos. A audiência infanto-juvenil de programas de gente grande é alta. De acordo com dados obtidos pelo Ibope em abril, 46,7% dos espectadores da novela O Clone, da Rede Globo, por exemplo, têm entre 4 e 17 anos. Nessa mesma faixa etária, quase 30% acompanham o noticiário do Jornal Nacional, da mesma emissora. Entre janeiro e março, cerca de 26% desse público manteve o aparelho de TV ligado entre 19h e meia-noite. Psicólogos e educadores desenvolvem diferentes teses para justificar o fato. O horário nobre seria o momento de a família estar reunida ou ainda porque há interesse dessa turma por informações e a busca por diversão. A psicanalista Silvana Rabello, especialista em crianças, vai além. Crê numa substituição por parte dos pais de antigos rituais, como brincar ou contar histórias antes de colocarem os filhos para dormir, pela "babá eletrônica", a TV. "Conheço casos de crianças que têm aparelho no quarto, acordam no meio da noite, ligam a televisão e vêem filmes eróticos ou de terror; elas não sabem o que fazer a respeito." Teorias à parte, o assunto merece atenção especial quando a questão é a qualidade da programação. O impacto de imagens violentas, cenas picantes, disputas e futricas dos reality shows na formação de crianças e adolescentes tem de ser analisado. Psicólogos creditam aos pais o controle do que seus filhos assistem. Para a psicóloga Maria Abgail de Souza, professora da USP, a família é o filtro pelo qual crianças e jovens observam o mundo. "O adolescente está em processo de formação de caráter, busca complementos, a convivência familiar e o exemplo dado pelos pais são o melhor meio para isso", diz. O diálogo tem papel fundamental na formação de adultos críticos. Para o psicólogo Herbert Thomas Luckmann, pais e educadores devem questionar, fazer com que os garotos pensem e tirem as próprias conclusões. As emissoras defendem-se. De acordo com elas, a programação exibida no horário nobre é familiar. Os canais devem obedecer à cartilha regulamentadora do Diário Oficial, editado pelo Ministério da Justiça. Assim, programas recomendados para maiores de 12 anos não podem ser veiculados antes das 20h; os para maiores de 14 anos, só após as 21h; e os para maiores de 16 anos, depois das 22h. Reality shows - Não é raro testemunhar uma prática que se tornou comum entre a garotada, seja qual for a classe social a que pertença. Depois do jantar, crianças se instalam diante da TV e absorvem o conteúdo - de qualidade ou não - despejado por ela. Isso quando não colocam o prato de comida no colo e grudam os olhos no aparelho. Em companhia dos pais ou solitariamente. A televisão é o meio de comunicação preferido das crianças, apesar da crescente demanda por jogos eletrônicos e pela Internet. Meninos e meninas passam horas na frente da tevê para ver programas considerados infantis, assim como novelas e filmes para adultos. Esse é um dos dados do livro Perspectivas sobre Criança e Mídia. A publicação chegou ao Brasil pelas mãos da Unesco e da Secretaria dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça. É o terceiro volume de uma coleção que trata das relações entre as crianças e a mídia. Em Perspectivas, as autoras traçam um panorama mundial da situação dos direitos das crianças referente à cultura da mídia, a partir de uma compilação de diversos estudos sobre o tema. Alguns dos aspectos analisados pelas autoras são a ausência de atrações consideradas de bom nível e o distanciamento entre mídia e educadores. Um fator que merece destaque no livro é a regulamentação dos programas. No Brasil, como em boa parte dos países da América Latina, falta a adoção de regras mais severas por parte do governo. No geral, há proibições diretas, como classificação por idade e horário-limite. O livro revela que as crianças não querem programas violentos; ao contrário, buscam diversão e a possibilidade de identificação. De acordo com o psicólogo Herbert Thomas Luckmann, é fundamental formar uma consciência crítica entre essa moçada para que eles saibam escolher melhor. Cabe aos pais e educadores ouvirem o que as crianças e os adolescentes têm a dizer. A psicanalista Miriam Debieux Rosa, no entanto, alerta para o descaso com a educação, uma vez que os pais, segundo ela, se eximem de estabelecer regras, de impor limites. "O que se vê é a desvalorização da escola e a hipervalorização dos meios de comunicação", diz Miriam, coordenadora do Laboratório de Psicanálise de Sociedade da USP e da PUC-SP. A pedagoga Tiyomi Misawa, orientadora de 3.ª e 4.ª séries do Colégio Santa Maria, em São Paulo, surpreendeu-se com o resultado de uma pesquisa feita com os alunos da 4.ª série, na qual quase 90% deles apontaram Casa dos Artistas, do SBT, e Big Brother, da Rede Globo, como programas com os quais mais se identificam. "Quando as crianças chegam à escola, a primeira coisa que falam é sobre reality show", comenta Tiyomi. Diante da inesperada constatação, os professores da escola passaram a discutir com seus alunos sobre o universo dos reality shows e refletiram sobre algumas temáticas, entre elas até que ponto tais programas trazem conhecimentos e a questões como cooperação e competição. "Uma aluna percebeu que o Big Brother reunia pessoas de tantos Estados diferentes, mas em nenhum momento elas mencionavam informações sobre a terra delas", conta Tiyomi. Estatística - Os cerca de 146 alunos participantes de tal pesquisa engrossam uma estatística levantada pelo Ibope, que avaliou o grau de interesse que Casa dos Artistas 1 e Big Brother Brasil geraram entre diferentes faixas etárias. Enquanto esteve no ar, Casa atraiu 27,2% do público entre 4 e 17 anos e, nos três últimos domingos, obteve audiência de 49,2% de telespectadores dessa faixa etária. Entre os espectadores de BBB, 33,3% encontravam-se na faixa dos 4 aos 17 anos. Mesmo a par dos malefícios causados pela TV quando esta expõe a criança a conteúdos inadequados, o autor do livro Manual do Telespectador Insatisfeito, Wagner Bezerra, defende a tese de que a televisão tem poder de educar. "Tanto faz o formato do programa e a linguagem audiovisual adotada. Tudo que a mídia eletrônica emite é capaz de interferir, ensinar, modificar, inseminar, contaminar e encantar corações e mentes, principalmente das crianças e adolescentes, que aprendem o que o meio oferece", pondera ele. Para o jornalista Gabriel Priolli, especialista em televisão, a questão deve ser alvo constante de debates, mas sem moralismos. "Há muitos discursos inconseqüentes, sem muito fundamento", acredita. "A TV não foi tão predatória assim. São 52 anos de história e mais de uma geração de telespectadores foi formada e habituada a assisti-la." Segundo ele, fala-se muito em conteúdos inadequados, mas pouco sobre informações produtivas e conhecimentos transmitidos por ela. "Cabe aos pais orientar as crianças para que elas vejam o melhor." Grotesco - Diante da presença de um público mais jovem no horário nobre, algumas emissoras tentam apostar numa programação mais arejada. É o caso da TV Bandeirantes, que quer mudar de cara. O antigo canal de esportes, voltado para o público masculino, quer ser mais jovem. Há dez meses o diretor-geral de Programação e Produção da Band, Rogério Gallo, investe em uma grade diversificada. "O público jovem é o nosso ponto forte. Os programas que apresentamos no horário nobre são uma alternativa à programação de outros canais", diz Gallo. De acordo com o diretor, 60% da audiência está na faixa etária dos 12 aos 34 anos. "Temos uma cobertura eficiente, em um período de 1 hora e 30 minutos, todos os dias da semana." De acordo com Gallo, só o programa Clipe Mania, apresentado por Sabrina Parlatore, recebeu mais de 50 mil e-mails em um fim de semana, o que atrai anunciantes. Empresas como Ford, Coca-Cola, o curso de idiomas CNA, Honda, Kaiser, entre outros nomes de peso, marcam presença na emissora. "Esse é um espaço garantido, mídia obrigatória para quem quer atingir o público jovem." A Band pretende investir ainda mais nessa direção e planeja uma programação especial para o fim de semana. Diante de tantas mudanças, a questão da qualidade da programação ainda é um assunto delicado. Descontrole, apresentado por Marcos Mion, é um exemplo: o grotesco e o deboche tomaram o lugar da diversão. "Reconheço que cometemos excessos. O programa precisa de ajustes e está em fase de reformatação", diz Gallo. Ele atribui os exageros ao estilo despojado e irreverente do apresentador, fato que não justifica a baixa qualidade do programa. A Rede Gazeta volta boa parte da programação, de segunda a sábado, a partir das 22h15, para a classificação livre, exceto a série Millennium, exibida às terças e inapropriada para menores de 14 anos, e Festa do Mallandro, que vai ao ar aos sábados e não é indicado para menores de 16 anos. "A linha de shows da Rede Gazeta foi desenvolvida para que toda a família pudesse assistir, esse é o conceito da nossa faixa nobre", define a superintendente de Programação da Gazeta, Marinês Rodrigues. "Respeitamos a classificação indicativa do horário, mas não há nenhuma contra-indicação para a participação do público infanto-juvenil."

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