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Cresce investimento da TV francesa no cinema

Le Monde Diplomatique mostra que nem o sistema francês, que tem sido exemplo nas batalhas para defesa dos cinemas nacionais, está livre de ameaças

Por Agencia Estado
Atualização:

Deu no Filme B, o boletim informativo de mercado cinematográfico, que a França acaba de aumentar o investimento compulsório das TVs em produções cinematográficas. A taxa passou de 3% para 3,2% do faturamento das emissoras. Ano passado, os principais canais investiram 560 milhões de francos (R$ 180 milhões) no cinema. É uma das fontes de recursos para o financiamento do cinema gaulês. Outra é o imposto cobrado de cada bilhete vendido nas salas, soma que é recolhida a um fundo gerido pelo CNC (Centre Nationale de Cinématographie) e revertida ao conjunto de atividades da profissão. Em termos de manutenção do mercado interno, a estratégia francesa tem obtido resultados. De fato, em alguns meses deste ano comemorou-se a cifra recorde de 70% dos ingressos vendidos para filmes nacionais. Em média, a França tem mantido algo em torno de 50% para os filmes domésticos, o que é excepcional (no Brasil não se chega a 10%). Outros números parecem animadores: no ano passado, a França produziu 145 longas-metragens, dos quais 53 de diretores estreantes. Tudo faz crer um presente saudável e futuro promissor. Por isso mesmo, a França tem sido citada como exemplo quando se travam batalhas para defesa dos cinemas nacionais em qualquer parte do mundo ? e o Brasil não é exceção. Em especial neste momento em que a disputa pelo mercado audiovisual parece se acirrar por aqui. Estúdios norte-americanos já andaram se manifestando contra os diversos movimentos pela proteção de conteúdos nacionais para o cinema e para a TV. Preocupa-os, sobretudo, a articulação do Gedic (Grupo de Desenvolvimento do Cinema), que entregou documento à Presidência da República sugerindo mecanismos para captação de recursos e financiamento do cinema nacional. As medidas incluem taxações diversas e a criação de um órgão gestor para administrar e distribuir os recursos. Os grandes estúdios temem, sobretudo, aumento do imposto para o audiovisual estrangeiro e a criação de uma eventual reserva de mercado para o produto nacional. A discussão promete ser longa, deve ser levada com senso de minúcia, e deve ser acalorada, pois envolve interesses divergentes e inconciliáveis. Por isso é bom saber que nem mesmo o cinema francês voa em céu de brigadeiro no mercado globalizado e altamente competitivo do audiovisual. Essas dificuldades são tema de um longo artigo do jornalista Carlos Pardo, publicado no Le Monde Diplomatique deste mês. Segundo Pardo, o sistema francês começou a ser abalado desde a criação do todo-poderoso grupo Vivendi Universal, resultado da fusão da empresa francesa Vivendi, o Canal Plus e a norte-americana Universal. O novo grupo tem interesses em áreas tão diversas quanto cinema, música, esporte, televisão, informação, programas educativos, jogos interativos, transmissões via satélite, TV, telefonia fixa e celular, Internet. Esse tipo de operação não deixa de ter repercussões no plano das idéias. O Financial Times por exemplo, comentou a fusão nestes termos: ?Provavelmente agora os campeões da cultura francesa irão moderar sua hostilidade em relação aos gigantes americanos.? Mas o mais interessante é que a a UGC, a grande cadeia exibidora francesa, cujo principal acionista é Jean-Marie Messier, chairman da Vivendi Universal, encontrou uma maneira de driblar o recolhimento de impostos diretamente do bilhete vendido na porta do cinema. Criou uma espécie de permanente mensal, que custa 98 francos (cerca R$ 32) e garante acesso ilimitado aos cinemas da rede. O passaporte chama-se Carte Illimité e andou sob fogo cerrado da legislação francesa, mas manteve-se em vigor. Isso porque a UGC recusa-se a divulgar o número exato de assinantes, pois não existe nenhuma lei que a obrigue. Além disso, suspeita-se que o grupo esteja vendendo o ingresso a seus filmes com prejuízo, apenas para monopolizar o mercado, o que é ilegal. Mas não há como provar, já que os números são mantidos em segredo. A UGC se ressarciria das perdas com a venda dos produtos secundários no cinema: pipoca, guloseimas, sorvete, bebidas, etc. Como o cliente evita o ato de enfiar a mão no bolso e pagar seu ingresso, tem a sensação psicológica de que está indo ao cinema de graça. Portanto, torna-se predisposto a gastar mais em, digamos, balas e bombons. É um sistema bem bolado, do ponto de vista da UGC. Mas pode significar, segundo a matéria do Le Monde Diplomatique, uma fissura letal no sistema de produção do audiovisual francês: segundo os críticos, a Carte Illimité concentra o mercado e causa queda de arrecadação. Como se vê, a guerra do audiovisual é cheia de manobras espertas, pois são grandes os interesses em jogo.

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