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A jornalista Luciana Garbin traz foco para as questões femininas na sociedade atual

Opinião|Covid me fez desacelerar. E agora?

Mensagens podem esperar para ser respondidas e selfies em redes sociais não fazem falta

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Atualização:

E então, depois das vacinas e de dois anos usando máscaras e adotando protocolos de segurança, eu peguei covid-19. Felizmente com sintomas leves durante o período de isolamento, mas seguido de uma leseira sem tamanho. Semanas depois de o teste dar reagente, a sensação de lentidão e fadiga continuava grudada em mim e me dei conta de algo aterrorizante para uma mulher-mãe-profissional: não conseguia mais fazer várias coisas ao mesmo tempo. O que poderia ser mais dramático para alguém que acorda todo santo dia com uma lista de pendências?  Sabe aquela rotina que muitas mulheres conhecem de cozinhar, olhar a lição do filho e falar com a mãe no telefone ao mesmo tempo? Virou coisa do passado após a covid. E responder rapidamente às dezenas de demandas que aparecem num só dia? Esquece. Depois que o corpo me obrigou a entrar numa espécie de câmera lenta, fui obrigada a fazer algo impensável até pouco tempo atrás: desacelerar. E precisei adotar estratégias. Para começar, desativei notificações. Também parei de ver mensagens que chegam sem parar no WhatsApp. Por alguns dias, dei um passo ainda mais ousado: resolvi abandonar o celular fora do trabalho e trocar tempo resolvendo problemas por minutos no sol sem fazer nada.

Com uma rotina repleta de obrigações, desacelerar, às vezes, é uma necessidade Foto: Pixabay

Decidi também resistir bravamente à tentação da culpa por não atender às expectativas. Como assim não querer tirar braço de ferro com o filho? Ou pedir delivery de novo? Ou estar sem vontade de falar? Ou ver a casa bagunçada e não sair arrumando tudo? Dane-se, estou sem força, respondia a mim mesma. Claro que era esquisito ter de baixar o ritmo de repente, mas a covid me fez constatar que a meta assumida diariamente – sobretudo por mulheres – de dar conta de tanta coisa não é sustentável. E quer saber? Cheguei à conclusão de que boa parte dos compromissos é cancelável, muitas mensagens podem esperar horas – ou dias, ou meses – para ser respondidas e selfies de quase desconhecidos em redes sociais não fazem falta. Quando é preciso escolher a dedo como gastar sua preciosa energia, priorizar vira questão de sobrevivência, assim como reconhecer que faz parte da vida não estar 100%. A despeito do coronavírus, cansaço é uma praga social – e o excesso de exigências e autoexigências tem boa parcela de responsabilidade nisso.  Para mim, quando os incômodos vestígios da covid finalmente sumiram, o desafio se tornou não esquecer das reflexões suscitadas. E, de algum jeito, continuar pegando mais leve.

Opinião por Luciana Garbin

Editora no ‘Estadão’, professora na FAAP e mãe de gêmeos.

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