Courtney Smith esculpe desconstruindo

A artista planta cafeteiras italianas em fileiras de cimento ou desconstrói essas peças híbridas como o criado-mudo com um grande prazer, mantendo sua forma original, mas retirando-lhe a função de móvel

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Por Agencia Estado
Atualização:

As duas exposições simultâneas que a Galeria Camargo Vilaça inaugura nesta noite mostram rumos aparentemente independentes, mas têm em comum uma certa vontade de dar voz a materiais e processos, explorando a carga simbólica de elementos curiosos e até banais, como as cafeteiras italianas "plantadas" ao longo de rígidas fileiras de cimento ou os móveis antigos comprados na Rua do Lavradio, no Rio, que Courtney Smith "esculpe", cortando, dobrando e remontando com a ajuda de dobraduras e torções. As obras da artista americana, que se educou na França, mas fincou raízes no Brasil, ocupam o térreo da galeria e devem surpreender aqueles que se acostumaram a ver suas obras de tecido, molengas e abstratas. Assim como fazia com os pedaços de pano, ela busca a carga afetiva do material, mas assume o caráter mais figurado e concreto desse elemento. Associa ao trabalho o nome pelo qual o móvel é conhecido, como psichê ou o criado-mudo (termo que a fascina por ser tão politicamente incorreto). E desconstrói essas peças híbridas com um grande prazer, mantendo sua forma original, mas retirando-lhe a função de móvel e dando-lhe a de peça de arte ao transformá-las em simpáticos monstrengos à Frankenstein. Courtney não teme o processo de reconstruir algo que já tem valor. Apenas toma cuidado, realizando incansáveis desenhos e maquetes. E faz questão de ressaltar que não se trata de um processo de destruição, mas de negociação com a peça, que de certa forma indica o caminho a ser tomado. "Algumas têm temperamentos moles ou infantis, outras mordem como jacarés", diz a artista mostrando seu Criado-Mudo Bravo e ressaltando que ele tem pés de pit bull. Ela fala de cada um de seus trabalhos como de um bicho de estimação. Qualquer semelhança com os de Lygia Clark não é mera coincidência. E lembra que, afinal, foi no Brasil, para onde veio no início de sua vida adulta, em 1989, que seu trabalho se formou. Se Courtney se encantou com as possiblidades e limites da madeira, o grupo Los Carpinteros, que comemora este ano uma década de existência, vem se afastando do material que lhes garantiu o apelido e ampliando seu raio de ação. Mas nesses trabalhos feitos a seis mãos estão sempre sendo colocados em questão elementos de forte apelo simbólico, que se referem a temas como a vida doméstica, a casa ou a sociedade. Plantação de Café já existe no papel há tempos, mas só agora tomou corpo, por julgarem que ela tem muito a ver com a história do Brasil e, obviamente, de Cuba. Referindo-se à política destrutiva de concentração urbana e a conversão de algo tão simples e natural como uma plantação, em algo tão sofisticado como as sofisticadas cafeteiras italianas, o trabalho pertence à trajetória crítica - mas não panfletária - aberta pela nova geração de artistas cubanos, que conseguiram se beneficiar com a internacionalização da arte de seu país, sem com isso ser obrigado a perder sua identidade. Como diz Marco Antonio Castillo - que veio ao Brasil montar o trabalho com Alexandre Jesús Zambrano -, o artista está sendo político até quando afirma que sua arte não é política, exatamente porque está querendo escapar daquilo. Courtney Smith e Projeto Los Carpinteros. De segunda a sexta, das 10 às 19 horas; sábabado, até 14 horas. Galeria Camargo Vilaça. Rua Fradique Coutinho, 1.500, tel. 3032-7066. Até 3/4. Abertura às 20 horas

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