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Cosac resiste em publicar arte com arte

Ha quatro anos, sua editora, a Cosac&Naify, começou a editar livros luxuosos e baratos, e para espanto geral cresceu e diversificou. Cercadode obras de arte em seu apartamento-museu Cosac, avisa: só pára se enjoar

Por Agencia Estado
Atualização:

Quando começou a publicar os primeiro livros no Brasil, há quatro anos, o editor Charles Cosac foi chamado de suicida. Sua posição no mercado editorial logo se tornou incômoda. Afinal ele só lançava livros de arte em edições luxuosas e a preços mais baixos que a concorrência. Os editores apostavam numa vida curta para o jovem e desatinado colega, então com 32 anos, que chegara há pouco da Europa pensando ser viável publicar e sobreviver no restrito mercado bibliográfico brasileiro de artes visuais. Pouco tempo depois das profecias, a Cosac&Naify não pára de crescer. Publicou cerca de 60 títulos no ano passado, prepara outros 176 para 2001 e diversificou sua produção. Não se dedica mais exclusivamente às artes plásticas, embora já tenha se tornado a referência editorial mais importante do gênero no Brasil. A editora quer agora ser também sinônimo de livros de qualidade na literatura, cinema, fotografia, design e arquitetura, mesmo não tendo conseguido azular suas contas. Arte para todos - Para a concorrência, a chave do enigma é a fortuna familiar de Charles, filho de imigrantes sírios donos de minas de manganês e cristal em Minas Gerais. Mas seu segredo não parece se resumir a um mecenato inconseqüente. ?Mudei muito minha visão. Já não sou a mesma pessoa?, diz, sentado em uma poltrona na sala de trabalho de seu apartamento, enquanto acende um Dunhill. Quatro anos depois, ele confessa não ter atingido seu maior objetivo, democratizar a arte em seu país. O principal motivo, alega, é a péssima distribuição de renda e a baixíssima tiragem dos livros no País. Charles Cosac preparava-se para defender sua tese sobre o artista plástico russo Kasimir Malevitch em Essex, Inglaterra, quando resolveu embarcar de volta ao Brasil, de onde havia saído na adolescência. Sem nenhuma experiência no ramo, instalou-se em São Paulo disposto a preencher em grande estilo e com muita qualidade o vazio do mercado editorial no setor de artes plásticas. Assinou sociedade com o cunhado, Michael Naify, que mora em Florença com a irmã de Charles, e fundou a editora que leva seus sobrenomes. Sala para privilegiados - Em pouco tempo, a Cosac&Naify alvoroçou o restrito mundo dos artistas plásticos, colecionadores e estudiosos, lançando monografias primorosas de nomes como os de Tunga, Leda Catunda, Leonilson, Elisa Bracher, Amilcar de Castro e Antonio Dias. ?Temos uma das melhores produções de artes visuais do mundo. Era preciso tornar isso acessível a mais pessoas? diz Charles, ele próprio um grande colecionador. Depois da criação da editora, teve que sofrear o ímpeto de adquirir obras. Mesmo assim possui uma centena delas, boa parte espalhada pelo apartamento de mil metros quadrados em Higienópolis, para o qual se mudou há um ano e onde vive na companhia do cão pastor alemão Jim. Charles detesta publicidade, mas sua reclusão acabou tornando-o objeto cobiçado de revistas de fofocas e colunas sociais. ?Não quero me tornar mais importante que a minha editora. Hoje me arrependo de ter colocado meu nome nela?. Poucas pessoas são menos sociáveis que ele. Embora mantenha na sala um sofá de doze metros e um ambiente que comportaria falcilmente uma centena de convidados, Charles não dá festas e só recebe alguns amigos, os mais íntimos. São os poucos privilegiados que podem freqüentar a gigantesca sala de sua casa ocupada por obras de Tunga, Siron Franco, Amilcar, Farnese e peças do século 18. E o sofá só está ali porque um dia sua mãe reclamou que não havia lugar para se sentar. O czar e as dumas - Charles gosta da solidão e dos espaços. Por causa disso, os cômodos são amplos. Mas ele não poupa críticas ao arquiteto que desenhou o prédio, uma construção da década de 50, e cujos apartamentos exibem vigas por toda parte, a ponto de ele apelidar o seu de Império das Vigas. O anti-social é também um anti-editor. Não freqüenta feiras, embora a Cosac tenha sempre um representante nelas, é avesso a bienais e detesta badalações. Prefere caminhar pelas ruas do bairro, eleito por ele um dos mais charmosos de São Paulo, ou ir a restaurantes, sempre vestido com roupas desenhadas por ele. Leis que viciam - Charles nasceu no Rio há 36 anos, morou em Petrópolis e depois mudou-se para a Inglaterra, onde se formou em matemática e estudou história da arte. Transitou um tempo entre Londres, Nova York e Moscou. Começou a colecionar arte ainda na adolescência e não parou mais. Mantém convicções inabaláveis. É contra as leis de incentivo, por exemplo: ?A Lei Rouanet viciou o mercado, mapeando os preços de tudo. Há especialistas em captação de recursos, mas como eles vivem de comissão, não se interessam pelos nossos projetos porque são baratos?. Hoje a editora está dividida em dumas (assembléias de representantes na Rússia czarista), como seu proprietário denomina as vertentes editoriais. Cada duma tem seu responsável. O time de camaradas escolhido pelo czar Cosac é invejável. Samuel Titan coordena a coleção Prosa do Mundo, Ismail Xavier responde pelo cinema, enquanto Rodrigo Naves dirige a área de artes. Charles Cosac não vê televisão e se recusa a ler jornais e revistas. ?Quero manter minha ingenuidade?, diz. Nas últimas semanas, tem ouvido as Pièces Froides, de Erik Satie. Prepara-se também para uma nova experiência estética. Antes de se mudar para Higienópolis, ele mantinha um apartamento na avenida São Luiz, onde possuía uma sala decorada em vermelho em homenagem a Gritos e Sussurros, de Bergman. Cansado das cores berrantes, ele pintou seu apartamento todo de branco e retirou grande parte do precioso acervo de peças da sala. O branco pode ser uma homenagem ao russo Malevitch, diz. Perguntado até quando vai durar sua editora, Charles dá uma tragada no cigarro antes de responder: ?Até quando eu quiser e o sonho durar?.

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