Coreografias aéreas e misturas de ritmos renovam o tango argentino

Ritmo criado no século 19 ganha versões modernas com mistura de fado, carnaval e até técnicas de circo e pilates.

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Por Marcia Carmo
Atualização:

O tango, um dos principais ícones culturais da Argentina, vem ganhando nos últimos anos versões modernas que o misturam com o fado português, o carnaval brasileiro, música eletrônica e até técnicas de circo e pilates. Essa versatilidade da música que nasceu no século 19, entre as capitais argentina e uruguaia, se reflete no Festival de Tango de Buenos Aires, que ocorre neste mês de agosto e atrai milhares de turistas e moradores locais para mais de 100 espetáculos. Ao assisti-los, é possível constatar que a música de Carlos Gardel (1887 ou 1890 a 1935) e de Astor Piazzolla (1921-1992), simbolizada pelo bandoneón (concertina), ganhou outros instrumentos, como a bateria e a guitarra. "O tango é a bandeira da arte nacional. Ele se reinventa porque tem publico de todas as idades e atrai qualquer pessoa sensível", disse o presidente da Academia Nacional de Tango, o uruguaio Horacio Ferrer, letrista de várias músicas de Piazzolla, como "Balada para un loco". O historiador Horácio Salas afirma que o tango é "múltiplo e parte da identidade argentina, mas principalmente do portenho". Segundo especialistas, Piazzolla "revolucionou" o tango tradicional dos tempos de Gardel. Já a "nova revolução" do tango surgiu com o grupo Gotan Project - tango eletrônico - em 2000. Em seguida, foram criados vários outros grupos de estilo eletrônico, como Bajofondo, e fusão, como Tangoloco. "Até hoje as pessoas cantam as letras da era 'gardelina' (de Carlos Gardel), como 'Naranjo en Flor'. A inovação foi mais instrumental, mas as novas letras vão acabar surgindo", disse à BBC Brasil Daniel García, diretor e pianista do grupo Tangoloco. O Tangoloco, criado em 2002, é uma fusão do tango com o rock, o jazz e outros ritmos, segundo Garcia. O quinteto é formado por bandoneon, contrabaixo, bateria, percussão e guitarras. Seus músicos nem sempre tocaram tango - a maioria veio do rock e do jazz, ou trabalhava fazendo trilhas de cinema e de televisão. "Nosso lema é fusão sem preconceitos", disse. A lista de "fusões" do Tangoloco inclui a mescla de Piazzolla, Beethoven e Beatles. Tango aéreo A nova cara do tango é uma mistura da dança tradicional - conhecida também como dois por quatro - com acrobacias, nas quais os dançarinos ficam pendurados em cordas semelhantes às usadas no circo para fazer piruetas e "voos" sobre o palco. A coreografia é realizada ao som de uma orquestra que toca tango eletrônico, acústico e tradicional, com instrumentos como o bandoneon, piano, violino e percussão. A coreógrafa Brenda Angiel lançou o tango aéreo em 2009. Sua companhia de bailarinos realizou, neste ano, uma série de espetáculos em Nova York e arruma as malas para desembarcar em setembro em diferentes cidades da China. "Comecei a fazer a dança aérea em 1995 e em 2009 me animei a romper a dança tradicional do tango", disse. García e Angiel reconheceram que as novidades que lançaram receberam críticas. Nos dois casos, eles tiveram apoio da crítica, mas olhar desconfiado dos mais tradicionais. "Alguns nos criticaram quando misturamos os Beatles com tango. Mas se criticaram Piazzolla, tudo pode acontecer. Hoje, porém, nosso público é heterogêneo. Jovens que saíram dos conservatórios, gente que é da nossa idade (entre 40 e 50 anos) e gosta de um tango mais livre e os tradicionais", disse Garcia. Angiel afirmou que seu objetivo era "algo moderno" e o público jovem imediatamente aprovou a ideia do tango aéreo. "Houve apenas um comentário no Facebook criticando a nossa novidade", disse. Hoje, esses espetáculos provocam filas em Buenos Aires. Cotidiano Longe dos palcos, o tango faz parte do cotidiano de muitos portenhos. O cantor Lucio Mantel, de 35 anos, é conhecido como solista de folclore e de rock. Seu repertório não inclui o tango, mas ele e o pai costumam ouvir, em casa, a música de Gardel. "Gosto de ouvir tango, especialmente os cantados por Gardel. Aprendi a gostar de tango com meu pai", disse. Segundo ele, mesmo quem não escuta tango, às vezes repete versos da música. Idosos, afirmou, costumam usar a expressão "a luta é cruel e é muita", do tango Uno, de Mariano Mores e Enrique Discepolo. O taxista Julio Sablich, 70 anos, só escuta a rádio FM Tango no carro. "Todas as semanas danço no clube onde moro, em Caballito (na capital federal)", afirma. A jornalista Silvia Mercado já teve aulas de tango. Ela disse que a dança foi recomendada por um psicanalista para equilibrar as relações amorosas. Tangolates O tango também vem sendo recomendado como uma espécie de elixir contra a solidão e para tratamentos para cardíacos. A argentina Tamara di Tella criou em 2004 o "tangolates", que é a união do tango e do pilates. A técnica está sendo estudada pelo Ministério da Saúde da Argentina e pela Organização Panamericana de Saúde, segundo o jornal Perfil, de Buenos Aires. Tamara disse que o tango agrega a parte "cardiovascular" ao pilates. "O pilates exige força, resistência e alongamento, mas falta a ele a parte cardiovascular e aeróbica que foi completada com o tango", disse à BBC Brasil. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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