Coragem e superação

Mario Vargas Llosa comenta a saga do irlandês Roger Casement e sua luta pelos direitos humanos

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Por Ubiratan Brasil
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Quando se preparava para o lançamento de seu mais recente romance, em outubro do ano passado, o peruano Mario Vargas Llosa foi surpreendido pela conquista do Prêmio Nobel de Literatura. Assim, O Sonho do Celta, que chega agora às livrarias brasileiras, ganhou uma aura especial. E, o que antes seria uma tradicional turnê de lançamento, transformou-se em uma carregada agenda de eventos.Na verdade, foi uma feliz coincidência, pois O Sonho do Celta, apesar de revestido pelo gênero de "romance histórico", traz em sua essência os principais preceitos humanistas do escritor peruano. O livro acompanha uma figura real, Roger Casement (1864-1916), poeta e revolucionário nacionalista irlandês que, como cônsul do Reino Unido, atuou em diversos países africanos onde, especialmente no Congo belga (à época governado pelo rei Leopoldo II), revoltou-se com o abuso dos direitos humanos contra os nativos.Casement também trabalhou como diplomata em Santos, Pará e Rio de Janeiro, e ainda na bacia de Putumayo, no Peru, onde novamente denunciou a violência praticada por empresas de extração de borracha. Ao relatar tais irregularidades, ele passou a valorizar a liberdade e, por conta dessa crença, voltou-se contra seu próprio governo, apoiando a independência da Irlanda.Encarcerado em um presídio de segurança máxima em Londres em 1916, depois de ter participado da Revolta da Páscoa, Casement foi acusado de traição pelo governo inglês, julgado e condenado à morte. Se cinco anos antes ele fora condecorado Cavalheiro, nos dias finais viveu abandonado e difamado.Llosa descobriu a figura de Casement ao ler uma biografia de Joseph Conrad que, por sua vez, citava a trajetória do irlandês no Congo como fundamental para a escrita de uma de suas obras-primas, O Coração das Trevas. Fascinado pela trajetória de Casement, Llosa aprofundou-se em pesquisas que o ocuparam durante três anos até iniciar o novo romance.O livro fala essencialmente sobre coragem e superação. Também sobre como "certas circunstâncias desumanizam os homens até transformá-los em monstros", como afirma o escritor. E, a partir das atitudes ufanistas de Casement, Llosa aproveita para também tratar dos dois lados da moeda do nacionalismo, seja a face mais terrível (a que leva ao subjugo), seja a benéfica (que incita movimentos separatistas).Em entrevista ao Estado, realizada por e-mail, Mario Vargas Llosa trata desse assunto e da necessidade extremada que tem o homem de lutar pela liberdade. Foi apoiado nesse mote, aliás, que ele enfrentou momentos delicados, como sua recente passagem pela Feira do Livro em Buenos Aires. Como o escritor criticara o governo da presidente Cristina Kirchner, intelectuais governistas pediram o cancelamento do convite ao autor, que seria a estrela máxima do evento. A solicitação foi mantida, Llosa marcou presença e arrancou aplausos ao afirmar que "sofremos muito por causa das verdades absolutas". O SONHO DO CELTAAutor: Mario Vargas LlosaTradução: Paulina Wacht e Ari RoitmanEditora: Alfaguara (392 págs., R$ 47,90)

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