
22 de maio de 2014 | 02h12
Piketty reconhece a importância de Kuznets, um dos primeiros economistas a recorrer a estatísticas científicas com as quais Marx (e Malthus e Ricardo e outros catastrofistas dos séculos 18 e 19) nem sonhava. Mas as conclusões de Kuznets podem ser chamadas de canções de ninar para capitalista selvagem dormir sem remorso. Piketty perdoa o otimismo de Kuznets porque ele é um reflexo direto do otimismo da época, o período entre o fim da Segunda Guerra Mundial, 1945, e 1975, 30 anos que na França são chamados de "les trente glorieuses", durante os quais todos os barcos subiram juntos e subiram muito. Desde então, de acordo com o estudo das estatísticas a seu dispor (e a dispor de todo o mundo) e as previsões de Piketty, os mitos do mercado autorregulado, da mãozinha invisível de Adam Smith e da eventual superação da desigualdade e da injustiça que virá um dia, é só ter paciência, sobrevivem nos contos de fada com final feliz que o neoliberalismo insiste em nos contar, e defende contra todas as evidências. Um contrapeso teórico à sua tese, do qual Piketty não foge, é que o sonho - ou o pesadelo, dependendo de que lado você estaria quando viesse o cataclismo - previsto por Marx também não aconteceu. O apocalipse marxista também virou conto de fada, pelo menos na sua pretensão escatológica à redenção da humanidade no fim do capitalismo, do Estado e da História.
Piketty propõe medidas contra a desigualdade difíceis de imaginar na prática, como a taxação universal de grandes fortunas herdadas e lucro desmedido. Mas seu livro está sendo considerado tão importante, sobre distribuição de renda no século 21, quanto as teses equivocadas de Kusnets que justificavam a ganância no século 20. Resta saber se terá a mesma influência.
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