17 de janeiro de 2020 | 10h04
Atualizado 17 de janeiro de 2020 | 16h43
SÃO PAULO - A Confederação Israelita do Brasil (Conib) repudiou o vídeo em que o secretário da Cultura, Roberto Alvim, cita trechos de um discurso do ministro da Propaganda nazista, Joseph Goebbels, e pediu o afastamento imediato do cargo. Após confirmada a demissão, a entidade também compartilhou no seu site a notícia da saída do secretário do governo Jair Bolsonaro.
Para a Conib, a fala do secretário é "inaceitável" e "é um sinal assustador" da visão de cultura dele. "Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida", diz a nota.
A confederação lembrou que Goebbels foi um dos principais líderes do regime nazista e "empregou a propaganda e a cultura para deturpar corações e mentes dos alemães e dos aliados nazistas a ponto de cometerem o Holocausto". O nazismo foi responsável pelo extermínio de 6 milhões de judeus na Europa.
A Conib lembrou ainda o papel do País na Segunda Guerra Mundial para pedir o afastamento de Alvim da Secretaria Especial da Cultura.
"O Brasil, que enviou bravos soldados para combater o nazismo em solo europeu, não merece isso", disse a entidade. "Uma pessoa com esse pensamento não pode comandar a cultura do nosso país e deve ser afastado do cargo imediatamente."
A fala de Alvim ocorreu em um vídeo para anunciar o Prêmio Nacional das Artes.
"A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada", afirmou Alvim, no vídeo, ao som de uma ópera de Richard Wagner.
O pronunciamento é uma referência a um discurso de Goebbels a diretores de teatro.
"A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada", disse Goebbels, de acordo com o livro Goebbels: a Biography, de Peter Longerich.
O texto lido por Alvim, em tom solene e pausado, é bem mais longo, com outros trechos claramente inspirados pela ideia copiada de Goebbels. A peça de Wagner escolhida pelo secretário é um trecho da ópera Lohengrin, que Hitler disse em sua autobiografia, Mein Kampf (Minha Luta), ter tido importância capital em sua vida.
Em sua longa fala, Alvim declarou ainda que a cultura sob Bolsonaro terá inspiração nacional, religiosa.
"Trata-se de um marco histórico nas artes brasileiras", disse o secretário. “Dois mil e vinte será o ano de uma virada histórica. Dois mil e vinte será o ano do renascimento da arte e da cultura do Brasil", encerrou.
O Estado procurou outras entidades religiosas para repercutir a fala e a demissão do secretário da Cultura. Em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirmou que "não se manifesta sobre este tipo de assunto". A Arquidiocese de São Paulo não respondeu até o momento. A igreja Universal também não se manifestou.
Coordenador executivo do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro), Hédio Silva Júnior afirma que a fala de Alvim "ofende a consciência democrática e ofende diretamente a comunidade judaica brasileira e do mundo todo".
"É preciso que a sociedade e os setores democráticos, comprometidos com a ideia de cidadania, deem conta do efeito deletério que esse tipo de discurso vai produzindo aos poucos, causando ruptura do tecido social", diz. "Nesse caso, a inspiração nazista pode ter sido de maneira caricata, tosca e infame, mas ela, a meu juízo, lamentavelmente está presente em boa parte da máquina publica, em especial do governo federal."
Para Silva Júnior, a demissão de Alvim era "o mínimo a ser feito". "Ele rompeu o verniz do governo, mas um olhar panorâmico vai dizer que há uma sucessão de atos do governo que, implícita e latentemente, tem o mesmo tipo de inspiração do secretário."/ COLABORARAM FELIPE RESK E PRISCILA MENGUE
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