Companhia do Latão é destaque em Curitiba

Balanço do 11.º Festival de Teatro de Curitiba que chega ao fim no domingo, destaca, entre outros, o trabalho da Companhia do Latão na peça Auto dos Bons Tratos

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Por Agencia Estado
Atualização:

Chega ao fim o 11.º Festival de Teatro de Curitiba, que domingo fecha suas portas. As últimas peças a estrear na Mostra de Teatro Contemporâneo, que os curitibanos chamam simplesmente de mostra oficial, são de João Silvério Trevisan e Marta Góes. De Trevisan, o Teatro de Seraphim, do Recife, apresenta Churchi Blues no Teatro da Reitoria. No Guairinha, Marta Góes, consagrada pelo sucesso de Um Porto para Elizabeth Bishop, teve o drama Só mais um Instante produzido por Celso Curi e dirigido por Elias Andreato. No Fringe, a mostra paralela, a efervescência segue com mais de 50 produções de Montevidéu, Buenos Aires, São Paulo, Rio, Salvador, Feira de Santana e outras muitas cidades. Entre as atrações dos últimos dias chamou a atenção o Auto dos Bons Tratos, a mais recente obra da Companhia do Latão, que tem estréia marcada em São Paulo para o dia 11, no Teatro Cacilda Becker. A peça, escrita por Sérgio de Carvalho e Márcio Marciano é mais um passo do Latão na criação de equivalentes brasileiros e contemporâneos da obra de Bertolt Brecht. Não é um texto fácil. Na estréia do Auto, na quarta-feira, o público deixou a sala em grande número, repelido pelo ascetismo do espetáculo, por sua recusa em armar quaisquer jogos de sedução. Na quinta, segundo e último dia da temporada, audiência soube saborear com mais tranqüilidade o belo trabalho do Latão. A peça trata de um episódio real, a prisão e julgamento do donatário de Porto Seguro, Pero do Campo Tourinho, em 1546, acusado de blasfêmia e heresia. A partir dos autos do processo, os integrantes do Latão armaram o Auto dos Bons Tratos, que mergulha nas raízes de nosso autoritarismo paternalista, que comporta o paradoxo de alimentar ditadores tidos como pais do povo, no molde de Getúlio Vargas. O espetáculo não é historiográfico, evita reconstituir a vida e o calvário de Tourinho. O que Carvalho, Marciano e os demais integrantes do Latão realizam é a desritualização dessa história, a desmontagem de suas engrenagens num palco transformado em tribuna. O trabalho é simples, austero, e traz nesse despojamento uma grande beleza visual. A ausência de elementos cênicos, reduzidos a quatro praticáveis e um pelourinho, e a funcionalidade discreta dos figurinos parece ampliar o espaço aberto para o debate das idéias. Esse teatro, que assume sem medo uma função pedagógica, torna-se radical não pelo emprego de tecnologias de ponta ou pela qualidade subterrânea e contraventora da pesquisa, mas por dar as costas a recursos teatrais, concentrando-se na discussão das idéias, na exposição racional e bem elaborada dos temas em questão. Graças à direção segura de Marciano e Carvalho e às interpretações de Helena Albergaria, Cátia Pires, Heitor Goldfluss, Ney Piacentini, Emerson Rossini e Marcos de Andrade, os alvos do Latão são atingidos na plenitude. A política não esteve presente apenas no trabalho do Latão, dentro do FTC. Dezenas de montagens do Fringe puseram em primeiro plano a discussão de temas políticos, buscando ver a realidade brasileira. Os trabalhos de rua foram muito pautados por essa linha. Desde o ingênuo e panfletário A Saga de Canudos, uma versão da tragédia de Antônio Conselheiro bem ao gosto dos anos 60 e das técnicas naives do Bread and Puppet Theatre, criada pela prestigiada trupe gaúcha Oi Nóis Aqui Traveiz, até a deliciosa sátira ao machismo contida em Bulha dos Assombros, da Cia. Menestrel Fazê-do, de Lages, Santa Catarina, que tem por cenário um cemitério e inclui entre os personagens um coronel assassinado, sua esposa, o capataz da fazenda e um lobisomem. A política ambiental também disse presente em Caravana Ecológica, mas as boas intenções preservacionistas foram atropeladas por um texto primário e uma montagem capenga, que se escudou em grandes bonecos de animais para disfarçar a carência de idéias. Outro exercício didático, esse muito mais interessante, é 22 - Ói Nóis na Fita Moderna, em que Elias Andreato, Iara Jamra e Moisés Inácio dão uma engraçada e cativante aula sobre Oswald de Andrade e o movimento modernista.

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