Como será o retorno às aulas para crianças com deficiência após fim da quarentena?

Pais estão preocupados em levar filhos para o colégio em tempos de pandemia do novo coronavírus

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Por Camila Tuchlinski
5 min de leitura

Quando decidiu engravidar, Danielle Hernandes estava com 40 anos de idade. “Eu conheci o Anderson, meu marido, eu já tinha 40 anos. E ele é 13 anos mais novo que eu. Eu achava que nem poderia ser mãe. Existe um exame de sangue que a mulher faz que atesta a possibilidade de ter um filho. Fiz esse exame e deu 9% de chance de ser mãe”, relembra. Durante o acompanhamento pré-natal da pequena Sofia, Danielle descobriu que a filha teria Síndrome de Down. “Quando tive certeza do diagnóstico, meu mundo caiu. Hoje agradeço muito à Deus e não vejo minha vida sem a Sofia, mas na hora ficamos sem chão. Me lembro que chorei muito e que meu pai me disse que não tinha nada de errado, que a Sofia era nossa e que estava tudo certo. Esse meu desespero durou um final de semana, porque depois fomos atrás do que era Síndrome de Down, a médica que me acompanhou desde o início se transformou em uma amiga e me explicou tudo de bom e de ruim que poderia acontecer com a Sofia desde a gestação até quando ela nascesse”, disse.

Danielle Hernandes e a filha Sofia, de 7 anos de idade Foto: Alexandre de Paulo/ADP Photo

E com a mesma dedicação do início é que Danielle acompanha os estudos da filha agora, aos sete anos de idade, em tempos de pandemia do novo coronavírus. Assim como ela, a adaptação das rotinas escolares na quarentena não tem sido uma tarefa fácil para alunos e pais e o desafio para aqueles que têm alguma deficiência física ou intelectual é dobrado. 

“Hoje está tudo uma loucura, estamos com aulas online e eu fico ajudando ela o tempo todo. É difícil porque ela tem uma deficiência intelectual, então ela não está no mesmo nível que outras crianças. Tenho que ficar ao lado dela o tempo todo até que ela se concentre. Ela assiste cerca de 50 minutos de aula por dia, em uma sala com 30 crianças, não recebemos nenhum material adaptado, então, tem dias que ela tem 16 páginas para fazer e obviamente que não conseguimos”, conta.

Danielle afirma que a filha está começando a aprender a escrever agora: “Sabemos que, por lei, ela não pode ser reprovada, mas quero que faça tudo certinho e tenha uma vida o mais normal possível como a de qualquer outra criança”.

A pequena Sofia, com Síndrome de Down, teve de se adaptar às aulas online durante a pandemia Foto: arquivo pessoal

Alunos com outras limitações como surdez, cegueira, paralisia e transtornos como o do Espectro Autista também enfrentam desafios constantes no processo de aprendizagem durante a pandemia de covid-19

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A doutora e mestre em Distúrbios do Desenvolvimento Carolina Quedas avalia que as mudanças de rotina de maneira geral influenciam muito a vida de crianças com TEA: “É um processo bem complicado e para se adaptarem ao ensino à distância não é diferente, pois muitos que possuem o transtorno precisam de um olhar especializado. Eles têm necessidades de adaptações de materiais, estratégias de ensino diferenciada. Muitos não conseguem ficar em frente ao computador e prestar atenção nas aulas online. Em muitos casos, as atividades que são enviadas para as residências também não estão adequadas para essas crianças e não são elaboradas de acordo com as especificidades de cada indivíduo. Esqueceram que cada criança e adolescente é único e necessitam de um olhar específico, voltado para o seu desenvolvimento”.

O governo de São Paulo anunciou um plano para retorno das aulas em setembro. O protocolo vale para as redes pública e privada e todos os níveis de ensino, do infantil ao superior. Apesar disso, alguns critérios devem ser cumpridos até lá para que a volta seja confirmada durante a pandemia. Até agora, as autoridades não foram específicas sobre o retorno às aulas para crianças com necessidades especiais.

“Precisamos ter segurança para essas crianças e adolescentes, montar um plano seguro de retomada específico para essas crianças com estratégias de ensino sobre os cuidados que devem tomar, orientando as famílias dentro do ambiente escolar com relação a importância do distanciamento social e higienização, uso de máscaras. Em muitos casos, certamente a situação será mais complicada, algumas crianças com TEA têm aversão ao uso da máscara, o que pode ser um grande problema. Acredito que essa retomada deva ser feita somente em caso de extrema necessidade, se não houver nenhuma outra maneira para a família”, ressalta Carolina Quedas.

Danielle Hernandes ainda não sabe como fará para que Sofia retome as aulas presencialmente, caso tenha que voltar a trabalhar. “Sobre levar a Sofia de volta para a escola nessa retomada, é uma pergunta que não sei como responder. Se eu precisar voltar a trabalhar, como acho que terei que voltar, minha mãe é a única pessoa que poderá ficar com ela. Cada dia é um novo dia, a gente pensa muito nisso, mas não sei como vou fazer. Sinceramente minha intenção é ficar com ela o máximo que puder dentro de casa. É uma questão muito difícil, pois eu não posso dizer não ao meu trabalho em meio a essa crise, mas tenho que pensar também na saúde da Sofia”, desabafa.

O advogado Marcelo Válio, especialista na área do Direito dos vulneráveis, esclarece que aomissão do governo poderá configurar infração a Lei Brasileira de Inclusão – 13.146/15, bem como ao Tratado de Salamanca e a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Para ele, é indispensável que as famílias observem as condições mínimas de proteção à saúde de seus filhos e se a inclusão esteja eficaz.

“Importante que as famílias exijam a criação de protocolos específicos, levando-se as cinco fases do Plano São Paulo para o retorno das crianças com deficiência. Nestes protocolos, além de estar prevista a proteção para não contaminação, também devem os meios adequados e inclusivos que afastem as barreiras de cada aluno e suas dificuldades. Na elaboração dos protocolos, os autores devem seguir como premissa que a escola que deve se adequar ao aluno e não o aluno deve se adequar a escola”, afirma.

Caso não haja adaptação, a criação de protocolos e a inclusão escolar efetiva pelas entidades de ensino, os pais podem entrar com um boletim de ocorrência junto às Delegacias de Crimes contra as Pessoas com Deficiência, fazer uma denúncia junto ao Ministério Público, acionar a Defensoria Pública ou medida judicial individual através de advogado constituído.

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