
10 de agosto de 2013 | 02h13
Em Os Contistas, Moacyr Scliar radiografou o dilema da vida literária: "todo mundo foi à tarde de autógrafo do contista Ramiro. Todos os 40 ou 50 contistas". E, claro, eles contam com a presença do contista Ramiro em seus lançamentos. Nesse circuito endogâmico, os prêmios literários parecem uma extensão dos coquetéis e dos elogios recíprocos.
Assim, como criar uma tradição como a do Prêmio Goncourt? Na França, recebê-lo assegura grandes tiragens e uma presença pública respeitável. No cenário brasileiro, estaremos condenados ao universo do contista Ramiro? Ou, pelo contrário, um novo modelo é possível?
De um lado, o potencial de manipulação de resultados veio à tona nas notas absurdas dadas por Rodrigo Gurgel, no último Jabuti, a certos romances. De outro lado, a proliferação de prêmios, alguns com valores significativos, e quase todos com curadoria independente, permite imaginar uma alternativa.
Nesse sentido, importa assinalar o acerto de escolhas recentes.
Milton Hatoum é um verdadeiro recordista de prêmios. De igual modo, seu projeto literário é um dos mais relevantes das últimas décadas na literatura brasileira.
Luiz Ruffato recebeu o APCA e o Machado de Assis por Eles Eram Muitos Cavalos (2001) e há pouco conclui sua pentalogia, Inferno Provisório, confirmando plenamente a promessa de seu romance de estreia.
André de Leones ganhou o Prêmio Sesc para autores estreantes com Hoje Está um Dia Morto (2006). Em seu último romance, Terra de Casas Vazias (2013) ele radicalizou as obsessões e a dicção do primeiro exercício, confirmado sua vocação.
Com O Filho Eterno (2007), Cristóvão Tezza obteve literalmente todos os prêmios mais importantes: e merecidamente, pois seu romance é um dos textos mais marcantes da década. Aliás, na prática, a premiação múltipla equivale a um critério de objetividade.
Carola Saavedra ganhou o APCA por Flores Azuis (2008) e, dois anos depois, o prêmio Rachel de Queiroz por Paisagem com Dromedário. Nos dois títulos, aprofundou sua peculiar fragmentação da estrutura narrativa, estimulando uma leitura-montagem.
Rubens Figueiredo ganhou o Portugal Telecom com Passageiro do Fim do Dia (2011), coroando uma obra que se impõe a cada título pela força da linguagem e agudeza da crítica social. Nesse sentido, confirmou-se o acerto dos dois prêmios Jabuti que ele ganhou em 1998, com As Palavras Secretas, e 2002, com Barco a Seco.
Portanto, sem ignorar eventuais tropeços e a persistência de relações viciadas, os prêmios literários têm conseguido ampliar as formas de legitimação de uma atividade essencialmente solitária: a escrita.
(Talvez um dia o contista Ramiro ganhe um prêmio importante, libertando-se da endogamia que ainda hoje define a vida literária).
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