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Comédia gótica marca volta de Jô Soares aos palcos

FrankensteinS, que estréia amanhã, sob sua direção, reúne em cena Mary Shelley e Charlotte Brontë com suas famosas criações literárias, Frankenstein e Jane Eyre

Por Agencia Estado
Atualização:

Agosto, apesar de temido por alguns supersticiosos, é um mês com datas importantes para a carreira de Jô Soares. Na sexta-feira, por exemplo, ele comemora 14 anos da estréia de seu programa de entrevistas, Jô Onze e Meia, então no SBT. Os festejos vão começar amanhã, com a estréia do espetáculo FrankensteinS, na sala menor do Teatro Cultura Artística, marcando sua volta à direção de uma peça, função que não realizava desde o início dos anos 80. "Fiquei tanto tempo ausente por não ter encontrado antes um texto que realmente me motivasse a dirigir atores, algo que adoro fazer", justifica. Jô, na verdade, planejava um duplo retorno ao palco: além de dirigir FrankensteinS, pretendia ocupar ao mesmo tempo a grande sala do Cultura Artística com seu novo espetáculo-solo. "Para a nossa sorte, o Antônio Fagundes estreou primeiro sua peça Sete Minutos naquela sala", comenta a atriz Mika Lins. "Assim, tivemos tempo de sobra para descobrir todas as minúcias do texto." Tempo, aliás, que foi devidamente ocupado, com sessões de ensaio que chegaram a durar 12 horas seguidas, interrompidas pelo amanhecer ou pela exaustão do elenco. Com isso, Jô adiou para março a estréia de seu novo espetáculo. Escrita pelo cubano naturalizado francês Eduardo Manet e traduzida pelo próprio Jô Soares em um dia e meio, FrankensteinS mostra o encontro fictício entre as escritoras inglesas Mary Shelley e Charlotte Brontë com suas famosas criações literárias, Frankenstein e Jane Eyre, respectivamente. Tudo acontece na noite de 1.º de fevereiro de 1851, dia em que Mary Shelley morreu. "Trata-se de uma comédia gótica e meu desejo é que a reunião pareça ter realmente acontecido", comenta o diretor. No encontro, Frankenstein e Jane Eyre demonstram sua insatisfação pela forma como foram criados e reivindicam de suas criadoras uma nova personalidade. Elas, porém, revelam-se intransigentes. "Trata-se da eterna insatisfação de alguém que é criado, que busca sempre se aperfeiçoar; um desejo próprio dos homens", observa Mika Lins, que interpreta a escritora Charlotte Brontë, filha de pastor protestante e moldada por uma criação rígida. "E a forma como isso é feito é novo, pois estraçalha o romantismo que predominava na época", completa Beth Coelho, que faz Jane Eyre, personagem emblemático da condição feminina da época. O mesmo confronto marca o ajuste de contas entre Mary, a delicada jovem esposa do poeta Shelley, e Frankenstein, o personagem que ela criou aos 18 anos, uma ode ao horror da gênese, pois a criatura foge do domínio do criador. "Mary age como uma mãe cruel e maltrata seu personagem que, por sua vez, também a perturba muito", conta Clara Carvalho, que interpreta a escritora, um de seus raros trabalhos fora do Grupo Tapa pelo qual ganhou prêmio Shell de melhor atriz por sua atuação em Os Órfãos de Jânio. "As respostas dele levantam questões sobre os direitos de uma criação e até que ponto um autor se distancia emocionalmente de sua criatura", comenta Paulo Gorgulho, intérprete de Frankenstein, caracterização que lhe exige duas horas diárias de maquiagem. Leituras intensas - A segurança dos atores quanto ao perfil psicológico de seus personagens foi conquistada com muito trabalho. Durante 35 dias, o elenco fez leituras do texto, período em que surgiram desde as inflexões corretas para as falas até a descoberta sobre qual personagem cada um interpretaria. "No início, eu faria a Mary Shelley, mas, à medida que líamos a peça, descobri que me identificava mais com Jane Eyre", conta Beth Coelho que, junto de Mika Lins, foi a responsável pela volta de Jô Soares ao teatro. "Durante vários jantares, ele nos contou muitas histórias de seus antigos trabalhos, o que nos deixou fascinadas e dispostas a fazê-lo voltar", afirma Mika. O empurrão das atrizes coincidiu com a vontade de Jô, que já vasculhava entre os textos que têm guardados. Descobriu a obra do cubano Eduardo Manet, que se naturalizou francês em 1979. No ano anterior, escreveu a peça O Dia em Que Mary Shelley Encontrará Charlotte Brontë, um texto ágil e inquisidor. "Fiquei fascinado com a forma e com o humor, algo que não via havia muito tempo", comenta Jô. "A ironia vai surgindo e, aos poucos, domina todo o espetáculo, com uma dicção própria do teatro inglês." Em sua viagem a Paris no início do ano, o diretor pediu a intervenção de um amigo, o roteirista Jean-Claude Carrière, para ser apresentado a Manet. O encontro despertou uma simpatia simultânea. "A história dele é tão fascinante como seus textos", afirma Jô, lembrando que, antes de se instalar na França, Eduardo Manet trabalhou com Fidel Castro até o momento em que o comandante determinou que quem não seguisse seus preceitos seria apontado como seu inimigo. "Não era a situação que lhe conferia a liberdade necessária, daí sua decisão de se transferir para a França." Aos poucos, o diretor conseguiu fazer as mudanças pretendidas, como trocar o título, que julgava grande demais. A sugestão de FrankensteinS, aliás, partiu de Daniela Thomas, responsável pela cenografia. "O plural justifica-se por serem duas criaturas", conta Jô, que resolveu bancar sozinho a produção, abrindo mão das leis de incentivo. "Não tive disposição para sair por aí, com o pires na mão." Apesar de concentrar o trabalho na atuação dos atores, Jô Soares não discuidou dos detalhes. Assim, a literatura, principal referência dos personagens, está presente tanto no cenário (formado por diversos blocos de anotações) como no figurino, especialmente de Clara Carvalho, que veste uma blusa ornamentada com palavras escritas à mão. Também a música foi originalmente composta para o espetáculo, pelo maestro Antônio Carlos Neves. "A sonoridade é linda", encanta-se Jô. FrankensteinS. De Eduardo Manet. Tradução e direção: Jô Soares. Duração 90 minutos. R$ 40,00 e R$ 50,00 (sábado). De quinta a sábado, às 21 horas; domingo, às 18 horas. Teatro Cultura Artística - Sala Rubens Sverner. Rua Nestor Pestana, 196 São Paulo tel. 3258-3616. Até dezembro.

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