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Comédia da vida em extinção

Marco Nanini festeja 45 anos de carreira em Pterodátilos, peça de Nicky Silver que retrata a desintegração familiar

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Por Ubiratan Brasil
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Uma vistosa peruca loura, braceletes e anéis brilhantes, tailleur que torna a silhueta mais bela - seria o perfil encantador de uma mulher, mas não se engane: o sorriso escancarado do ser que carrega todos esses atributos é o de um esqueleto. A combinação forma o cartaz da peça Pterodátilos, que estreia hoje no Teatro das Artes, no Rio. Promoção e provocação, eis uma mistura bem dosada para o espetáculo que comemora os 45 anos de profissão do ator Marco Nanini. E, como se trata de um artista inquieto, a festa não é comportada - Pterodátilos é uma rara comédia, em que o humor dilacera e o nonsense amargura. "Toca nas feridas, mas provoca gargalhadas", resume Felipe Hirsch, diretor da montagem.Basta espiar a história em que Nanini interpreta dois personagens: Artur é presidente de um banco e chefe de uma família disfuncional, formada por Grace (Mariana Lima), a mãe alcoólatra, mulher opaca e apenas preocupada em consumir; Todd (Álamo Facó), o filho mais velho que volta à casa paterna depois de ter contraído o vírus da aids; e Ema (novamente Nanini, na foto), a filha desnorteada, que se julga grávida e cujo namorado, Tom (Felipe Abib), além de transformado em empregada da casa, logo se apaixona por Todd. "A casa está desmoronando e isso fica mais evidente nesta montagem", comenta Nanini (veja abaixo).Ele se refere à primeira encenação da peça, em 2002, intitulada Os Solitários. Na época, Felipe Hirsch uniu dois textos do norte-americano Nicky Silver que tratavam da decadência familiar. "Mas Pterodátilos sempre ficou na cabeça da gente porque tem humor, diálogos incríveis e precisos, e dramaticidade sem pieguice", conta o ator, decidido a retomar o trabalho com o diretor justamente com esse texto.O passar dos anos, na verdade, fortaleceu a peça. "A primeira montagem tinha um tom épico, que não ressaltava tanto um aspecto que hoje domina cidades como o Rio e São Paulo: o consumismo", avalia Hirsch. "No Brasil, o mercado de luxo cresce 20% ao ano, enquanto no restante do mundo a marca é de 4%. Por isso que vejo nesse espetáculo o reflexo do País."Um reflexo turvado pela comicidade - os personagens de Silver são hilariantes em sua tragédia. Grace, por exemplo, pede opinião do filho sobre qual vestido deve usar no enterro dele. E Ema é expulsa do encontro das filhas estupradas pelo pai por ter mentido. "O humor é tão absurdo que provoca compaixão da plateia", comenta Hirsch.E o efeito é conquistado graças às atuações. Nanini se desdobra com o habitual talento no pai desnorteado com o declínio familiar ("Artur vê as coisas desmoronando, mas não tem ação") e na filha frustrada pela falta de atenção geral. A personagem, aliás, provocou aflição no ator. "Quando a interpretei em 2002, acreditava estar encenando uma menina de 15 anos, mas, quando vi algumas imagens na internet daquela montagem, fiquei horrorizado: era um homem de idade fazendo uma garota. Assim, decidi não mais rever cena alguma das minhas montagens."Já Mariana Lima, que vive uma atarantada Grace, lamentou o pouco tempo que teve para criar. "Normalmente, tenho mais que dois meses de preparação", disse ela, que primeiro elaborou a loucura interna da personagem para depois montar o perfil exterior. "Assisti a seriados como Absolutely Fabulous para me inspirar. Era necessária uma precisão absoluta, pois é uma peça curta, de ritmo vertiginoso, na qual tudo é dito sem véu da culpa, sem meias palavras."Apesar de o espetáculo - que chega em São Paulo em março, no Teatro Shopping Frei Caneca - marcar os 45 anos de carreira de Nanini, o ator sentiu-se premiado de fato com a inauguração do Instituto Galpão Gamboa, sala de espetáculos fora do circuito convencional e comercial do Rio, que ele e seu sócio na produtora Pequena Central, Fernando Libonati, montaram apenas com recursos próprios. "Encenamos Pterodátilos lá e foi um sucesso", vibra Nanini. "Além de receber outras produções independentes, o espaço vai oferecer cursos para a comunidade daquela zona portuária, ainda muito carente de cultura."

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