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Coluna do Ivan Lessa: Câncer não dá câncer

Vou de férias a Portugal me banhar de muito sol, sem qualquer proteção para não desperdiçar os benefícios que o astro rei nos dá.

Por Ivan Lessa
Atualização:

É verdade. Quem há de negar? O câncer não é contagioso. Se um canceroso pegar você e dar um beijão na sua boca, responda à altura metendo o braço nele ou correspondendo com avidez, à francesa ou mesmo à venezuelana tipo Chávez. Só não se preocupe com o fato de sair do ósculo portador daquilo que os politicamente incorretos ainda chamam de câncer. Tal como a lepra, já que não há cura ou remédio, mudemos ao menos para um nome mais nos conformes, cismam os politicamente corretos. Se lepra, mesmo bíblica, passou a ser Hanseníase, talvez seja a hora de bolar um esquema parecido para o câncer. À guisa de sugestão, dou início aos trabalhos com meu palpite: Maria Alice. De resto, vocês aí, mais familiarizados com acordos e reformas ortográficas, correções e incorreções políticas, vão se virando. Que eu estou me mandando de férias para terras de Portugal, onde, embora não haja mais trema, "correção" ainda se escreve certo, ou seja, "correcção". Câncer não pega. Digo e repito. O que pega, o que se espalha, o metastático pra valer, é a má informação. Vou pegar muito sol e não usar loção bronzeadora ou creme protetor (na verdade, "protector", que é o correcto). Principalmente desses cremes branquinhos que as pessoas botam no nariz sem a menor idéia de como ficam ridículas, expostas ao sol e à chacota popular, acreditando-se protegidas do - atenção! - câncer de pele. E vamos logo frisar, isso não existe. Pura ignorância, falta de beabá científico. Sol é ótimo para a pele. Sempre foi. Que o diga toda geração que passava o dia inteiro na praia, no Rio dos bons tempos, do Leme ao Leblon, pegando sol para valer. Nem vou citar, para não parecer pedante, toda a população africana, do sub- ou sobre-Saara, ou o mundão árabe que tira de letra 18 horas por dia de solzão e neca, neris de pitibiriba, desse tal de câncer da pele, ou Maria Alice, conforme sugeri mais acima. Fiquem à vontade, não acreditem em mim. Vocês têm toda razão. Jogo baixo, no entanto, pois conheço minha gente. Pego parceria com autoridades respeitosas, verazes e verdadeiras. Só vou de endosso, como quase cantaram Os Cariocas. Eu que fiz minhas as palavras de tanta gente, de Dante a Paulo Coelho, hoje faço minhas as palavras do emérito professor de dermatologia da Universidade de Newcastle, aqui no norte da Inglaterra, tanto ele quanto ela de algum prestígio e renome. Seguinte: o professor Sam Shuster, em artigo divulgado em publicações especializadas fidedignas, explicou, outro dia mesmo, agora já em pleno verão europeu, que a ciência não está convencida de que os malefícios do sol superam seus benefícios. O professor salienta tratar-se de benefícios óbvios, como uns bons 30 anos de praia me deixaram claro, ou bronzeadão, se preferirem. Ele prossegue dizendo que as estatísticas sobre Maria Alice, que ele ainda chama de câncer mesmo, são utilizadas para assustar as pessoas e não educá-las. Dou-lhe um parêntese: "Dos 84 mil casos de "câncer" (aspas dele) de pele que surgem neste país a cada ano, quase todos são benignos. Não se espalham, não matam. Chamar de câncer é indevido uso histórico do nome." O ilustríssimo professor Shuster prossegue explicando que é claro que expor o corpo, principalmente o rosto, ao sol, assim como o fumo, aumenta o número de rugas faciais. Só. No caso, ele dá o nome do verdadeiro bandido: melanoma. Exato, ou exacto. Tumor cutâneo. Esse é fogo. O melanoma maligno quadruplicou na Grã-Bretanha nos últimos 30 anos. Queimadão (uma foto ilustra o artigo), o professor vai explicando que não quadruplicaram nem aumentaram o número de caixões porque, em sua maioria, os tumores são, na verdade, lesões benignas. Nada, nada a ver com o terrível, esse sim, melanoma maligno. Vai um tantinho mais longe nosso amigo: diz, com todas os efes-e-erres, que a diagnose errónea (ou até mesmo errônea) é atribuível à medicina dita defensiva, respondendo e reagindo assim com a devida comercialização dos diversos produtos chamados de "protetores" e "protectores". O sol nasceu para todos, é verdade. Mas dá muito mais dinheiro para os vivaldinos que sabem explorar aquele que os maus poetas já chamaram de "Astro Rei". Até onde entendi, estes os fatores e factores em jogo. Nada a ver com fator 8, fator 10, fator 12 e assim por diante. Creme? Só se for na casquinha ou no copinho. Slurp, slurp, como se onomatopeiza nas histórias em quadrinhos. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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