Coletivos miram contradições

Cia. do Latão, Espanca! e grupo XIX se deslocam no tempo para investigar dilemas do presente

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Por Maria Eugenia de Menezes
Atualização:

Implodiram-se os conceitos de direita e esquerda. Todo o avanço agora se dará pelas lutas das minorias. "Será como na América", diz um crédulo músico tropicalista ao público que assiste a Ópera dos Vivos. Depois de estrear no Rio de Janeiro, o grandioso espetáculo em quatro atos da Cia do Latão, abre temporada amanhã, no Sesc Belenzinho."Não se trata de uma peça divida em partes, mas de um estudo teatral apresentado em quatro atos", esclarece o diretor Sérgio de Carvalho. Na encenação, ele valeu-se não apenas de quatro narrativas distintas, como também de suportes artísticos diferentes. Se o teatro aparece marcado na primeira parte, nas seguintes o público acompanhará ainda a um filme - rodado especialmente para a montagem -, a um show e ao que seriam as gravações de um programa de TV.Primeira peça do grupo desde 2006, quando apresentou O Círculo de Giz Caucasiano, de Bertolt Brecht, Ópera dos Vivos também surge como a maior e mais ambiciosa das suas criações. Fundada há 14 anos, a Cia. do Latão firmou-se entre os grandes da cena paulistana tanto pela pungência de seu discurso, quanto pela qualidade estética de suas encenações. Distinção semelhante também cabe ao grupo XIX de Teatro, que revela a partir de hoje, no CCSP, sua Marcha para Zenturo (foto abaixo). Ainda que lidem com temáticas dissonantes, é difícil não concordar que Latão e XIX impressionam igualmente por despontarem como representantes máximos da mais significativa vertente das artes cênicas produzidas na cidade: o teatro de grupo. Na hora de conceber Marcha para Zenturo, o grupo XIX fez mais do que repetir os longos processos de investigação que costumam caracterizar suas montagens. Uniu esforços a outro coletivo, o Espanca!, de Belo Horizonte, e concretizou uma aproximação que já se desenhava há tempo. Apesar da distância geográfica, as companhias de São Paulo e Minas desenharam trajetórias análogas, chamando atenção já em suas peças de estreia - o grupo paulistano foi revelado com Hysteria; o Espanca! alcançou projeção nacional com Por Elise.O encontro entre os dois times aconteceu também durante um ponto de inflexão comum: ambos tinham apresentado seu terceiro espetáculo e pareciam ter chegado a um impasse: para onde ir? "Havia uma necessidade grande de se reinventar", pontua Luiz Fernando Marques, diretor do grupo XIX de Teatro. Impulsionados a esquadrinhar um mesmo tema - a dificuldade de comunicação no vertiginoso tempo contemporâneo -, trancaram-se na sala de ensaio e de lá saíram com um trabalho que exibe dramaturgia de Grace Passô, do Espanca! e tem direção a cargo de Marques, do XIX.Marcha para Zenturo examina o que seria o reencontro de um grupo de amigos distantes há muitos anos, que decidem se reunir em uma festa de Réveillon. Centelha para que exponham o vão imenso que agora os aparta.Para revelar personagens que não sabem ouvir ou falar ao outro, a montagem lança mão de um distanciamento brechtiano às avessas, transpondo a trama para o ano de 2441, com a intenção de iluminar o presente.Túnel do tempo. Deslocar-se no tempo também é prerrogativa da Cia. do Latão. Em Ópera dos Vivos, três dos quatro atos empreendem um recuo ao passado. Detêm-se sobre os anos que antecedem o golpe militar. Passam, porém, ao largo de qualquer revisionismo histórico. "Pode até dar a falsa impressão de que trata do passado, mas não trata", ressalva o diretor.Mesmo que pareça improvável encontrar, nos dias de hoje, eco das situações políticas descritas no espetáculo, Carvalho sustenta que é possível a aproximação. "O discurso conservador está mais forte. As pessoas perderam a vergonha de assumir posições reacionárias."A perspectiva dos anos pré-1964 também serve para que se examinem os meios de produção dentro da arte. Ao retornar ao momento em que a indústria cultural ganhava impulso no país, mostra-se o impacto da lógica mercantil. Traço que alterou as relações de trabalho no setor. Tornando-as cada vez mais hierarquizadas. Mais alienadas.MARCHA PARA ZENTUROCCSP. Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1.000, tel. 3397-4002, metrô Paraíso. 6ª e sáb., 21h; dom., 20h. R$ 20. Até 13/2. ÓPERA DOS VIVOSSesc Belenzinho. Salas de espetáculo I e II. Rua Padre Adelino, 1.000, tel. 2076-9700. Sáb. e dom., 19h. R$ 24. Até 13/3. TRÊS GRUPOS, TRÊS HISTÓRIAS Espanca!Grupo de Belo Horizonte, que estreou em 2005 ao apresentar o espetáculo Por Elise, no Festival de Curitiba. Com o mesmo tom de fábula, lançaram também Amores Surdos e Congresso Internacional do Medo. Grupo XIX de TeatroCriado a partir de um grupo de estudantes da USP, projeta-se com o espetáculo Hysteria. Lançada em 2001, a peça alcança fama no ano seguinte. Com um método colaborativo de criação, montaram também Hygiene e Arrufos. Cia. do Latão Surgiu em 1996, ao encenar Ensaio sobre Danton, de Georg Büchner, e chamou atenção pelas técnicas brechtianas, Tributário do teatro épico, apresentou peças de dramaturgia própria, como O Nome do Sujeito.

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