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Coletânea traz títulos esgotados e poemas inéditos de Ana Cristina Cesar

'Poética', que chega na semana que vem às livrarias, relembra poeta morta há 30 anos

Por Roberta Pennafort
Atualização:

Ana Cristina Cesar era uma estudante da PUC-Rio, e Armando Freitas Filho, 12 anos mais velho, foi ao seu encontro nos pilotis da universidade. Os dois poetas logo se reconheceram um no outro, e a amizade só foi interrompida pela morte trágica dela, aos 31 anos, uma década depois.

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Naquele 29 de outubro de trinta anos atrás, eles se falaram pelo telefone às 12h30. Pouco depois das 13 horas, a mãe dela telefonou desesperada, contando que a filha havia se jogado da janela. Dentro de alguns dias, ela levaria ao apartamento de Freitas Filho quatro caixas de papelão impregnadas de Ana C..

“Ana dizia que, se algo acontecesse, o material deveria ficar comigo. Quando ela morreu, levei mais de dois anos até ter coragem de mexer naquilo”, lembra o poeta, transformado em curador da produção da amiga.

Os cadernos com poemas e frases soltas, anotações e redações de escola abrigados nas caixas somam mil itens que estão desde 1998 sob custódia do Instituto Moreira Salles. Todo esse material já deu origem, desde 1985, a cinco livros organizados por Freitas Filho: Inéditos e Dispersos (1985), Escritos na Inglaterra (1988), Escritos no Rio (1993), Correspondência Incompleta (1999) e Novas Seletas (2004). Dos mesmos guardados saiu ainda Antigos e Soltos (2008), a cargo da professora da USP Viviana Bosi.

Mais um fruto está previsto para sair no próximo dia 25 pela Companhia das Letras: Poética reúne, além desses títulos, os quatro volumes lançados por Ana em vida, os independentes Cenas de Abril (1979), Correspondência Completa (1979) e Luvas de Pelica (1980), e A Teus Pés</CF> (1982), o primeiro lançado por editora (Brasiliense). Desses, é possível encontrar apenas o último no mercado, afora poemas espalhados por coletâneas que jogam luzes sobre a chamada poesia marginal dos anos 70.

Poética tem ainda uma seção de inéditos, com escritos da adolescência ao fim da vida. É Ana C. por inteiro, “despetaladamente pelada”, como nos versos de Instruções de Bordo, dos anos 70.

“Novos e velhos leitores verão que Ana sempre foi uma pessoa de muita coesão, aplicada. Desde pequena, mostrava o que poderia ser – ditava poemas para a mãe antes de aprender a escrever”, diz Freitas Filho.

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Ele deu ao capítulo dos inéditos o título Visita à Oficina, pelo fato de ser um material curto e com menor relevância do que os já publicados. Além disso, os poemas lhe pareceram “mais inacabados”. Dois são textos feitos quando Ana ainda era aluna secundarista do Instituto Bennett. Um, de 1969, mostra uma densidade incomum para uma menina de 16 anos. Recebeu nota 10 da professora e o elogio: “Lindo!”. Outro, Holocausto, sem data, levou nota A. Ela se declara: “Estar em fraude – não consigo mesmo, não consigo mesmo. Conseguir vislumbrar a fraude inerente – segui-la em conivência, vivê-la em seguimento a indicações envelhecidas pela chuva. Chamar sem querer as palavras delineadoras – é fácil criar-se a partir da energia que se cria”.

A morte de Ana completou três décadas no último dia 29. Mas a interlocução com a geração que sucedeu sua morte segue. Ana fala especialmente às mulheres. A atriz Bianca Comparato, nascida em 1985, se encantou por sua dicção certeira, o humor, a coloquialidade sob a erudição. Leu Antigos e Soltos quando cursava na mesma PUC de Ana. Há um ano e meio, resolveu interpretá-la no cinema. “Ela era uma mulher muito interessante, um prodígio, produziu muito na adolescência. É muito contemporânea, porque toca no humano.”

Foi atrás de Julia Murat para dirigi-la, e apresentou-lhe a poética de Ana. “Fiquei fascinada pela mistura de densidade e singeleza, e com as brincadeiras com a própria loucura”, conta a diretora.

O roteiro será de Michel Melamed, herdeiro da geração de Ana. “No momento, temos muitas perguntas e poucas respostas. Decidimos fazer cinco episódios documentais para a TV, entrevistar as pessoas que conviveram com ela, e a partir daí chegar ao roteiro”, explica Bianca, que está em fase de captação para o projeto.

No ano passado, foi apresentado durante a programação paralela da Festa Literária Internacional de Paraty o documentário Bruta Aventura em Versos, da baiana Letícia Simões. Ela ouviu artistas que se sentem influenciados pela sua poesia e outros que se debruçaram sobre ela.

POÉTICAAutora: Ana Cristina CesarEditora: Companhia das Letras (469 págs., R$ 48). Lançamento: 25/11

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