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Coleção reúne reportagens que fizeram História

Com o lançamento de Hiroshima, de John Hersey, um dos cem melhores textos publicados pela imprensa no século passado, a Cia. das Letras inicia série Jornalismo Literário

Por Agencia Estado
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A vida de seis pessoas - um pastor metodista, uma escriturária, um cirurgião, um médico, um sacerdote alemão e a viúva de um alfaiate - mudou radicalmente quando o relógio marcou 8h15 da manhã do dia 6 de agosto de 1945, horário do Japão. Precisamente naquele instante, uma bomba atômica lançada por um avião norte-americano explodiu na cidade onde moravam, Hiroshima, provocando a morte de pelo menos 100 mil pessoas e forçando o Japão à rendição, finalizando a 2.ª Guerra Mundial. Os seis sobreviventes contaram em detalhes seu drama ao repórter John Hersey, que transformou os relatos em uma matéria histórica publicada pela revista The New Yorker. A força perene do texto, porém, transformou a reportagem em um livro, Hiroshima (172 página, R$ 26), que a Companhia das Letras lança nesta terça-feira, iniciando uma nova coleção, Jornalismo Literário, que vai abrigar textos publicados na imprensa e que, graças a seu valor superlativo, ganharam o formato de livro. Depois do texto de Hersey, serão lançados A Sangue Frio, de Truman Capote; O Segredo de Joe Gould, de Joseph Mitchell; Música para Camaleões, também de Capote; e Olhos na Multidão, de Gay Talese. Ainda não está previsto o lançamento de algum texto escrito por jornalista brasileiro. A escolha de Hiroshima como primeiro volume da coleção não foi aleatória - em uma enquete entre 67 respeitados jornalistas e historiados, realizada em 1999 pela Universidade de Nova York, escolheu os cem melhores textos publicados pela imprensa no século passado e a reportagem de John Hersey figurava como a primeira da lista. A riqueza de detalhes em um texto sem muitos adjetivos, entre outras virtudes, justificou a escolha. Nascido na China de pais missionários e responsável pela cobertura da 2.ª Guerra para a revista Time, Hersey foi escolhido por William Shawn, secretário de redação da The New Yorker, e por Harold Ross, editor e fundador da revista, para contar aos norte-americanos a verdadeira história do primeiro ataque nuclear da história. Naquele ano de 1946, o governo Truman buscava esconder detalhes da arma poderosíssima que conseguira desvendar em primeira mão, a fim de não facilitar as pesquisas de outras nações (em especial, a União Soviética), impondo, portanto, seu poderio global. Uma das mais prestigiosas publicações do mundo, a The New Yorker destaca-se pela qualidade de textos e nada melhor que suas páginas para revelar aos norte-americanos o drama sofrido pelos japoneses. Durante quase três semanas, de 25 de maio a 12 de junho de 1946, Hersey entrevistou inúmeros sobreviventes do ataque a Hiroshima, os chamados hibakusha. Como o material coletado era farto, ele tomou uma decisão radical mas correta: centralizou seu texto no depoimento de apenas seis pessoas, cuja história serviria como parâmetro sobre a vida dos outros 100 mil sobreviventes. Foram seis semanas ocupadas com a redação do texto de 150 páginas. Edição única - O original foi ainda reescrito diversas vezes, graças às valiosas sugestões de Shawn e Ross, os verdadeiros responsáveis pela qualidade editorial da revista. Foram eles também que tomaram uma decisão inédita na história da publicação: em vez de publicada em capítulos, como era habitual, a reportagem de Hersey ocuparia todas as páginas de uma única edição, deixando de lado mesmo as dedicadas aos colunistas, salvando apenas a programação cultural de Nova York. Certos de que dispunham de um material valioso, os jornalistas não se importaram também em perder a data que seria mais oportuna para o lançamento da revista, 6 de agosto, quando se completou um ano da explosão da bomba. Assim, os cerca de 300 mil exemplares da edição com a data de 31 de agosto de 1946 no cabeçalho esgotaram-se rapidamente nas bancas. Começou então o comércio do contrabando, cujo exemplar era negociado até 100% mais caro. Do restante do país e de outros lugares do planeta, vieram pedidos de autorização para reimprimir a matéria, o que acontecia quando os direitos eram doados à Cruz Vermelha. O impacto provinha do impressionante relato das vítimas, desde os momentos anteriores à detonação da bomba até suas principais seqüelas. O texto cruza a história dos seis sobreviventes, cuja simples descrição impressiona pelo realismo dos fatos. Em novembro daquele mesmo ano, a reportagem de John Hersey foi publicada em livro. Apesar de tardia, a tradução brasileira traz um ganho valioso ao leitor: um capítulo escrito 40 anos depois, em que Hersey narra a trajetória daqueles seis sobreviventes, dos quais dois já estavam mortos. A edição traz ainda um pósfácio do jornalista Matinas Suzuki Jr., que oferece mais detalhes do trabalho de apuração do repórter norte-americano. Ele também é o coordenador da série Jornalismo Literário. Entre os próximos livros da coleção, um dos destaques é A Sangue Frio, de Truman Capote. Publicado em 1965 e já com edição em português, o livro transformou a carreira de Capote, alçando-o a um dos precursores em promover um insuportável mergulho na sordidez do sonho norte-americano o que, para muitos habitantes daquele país, significou uma revolução literária. Capote narra detalhes de um brutal assassinato de uma família em Holcomb, no Kansas, a troco de US$ 40. Ao ler uma pequena nota publicada no The New York Times, ele propôs aos editores da The New Yorker uma viagem a Holcomb, onde conseguiria os detalhes. O que Capote não esperava é que consumiria seis anos para escrever a história dos autores do crime, Dick Hickock e Perry Smith, desde o assassinato até sua condenação à morte por enforcamento. Ao reconstituir um fato real utilizando as ferramentas da ficção, ele produziu um sucesso literário instantâneo: publicada em quatro edições sucessivas da revista, as tiragens esgotaram antes mesmo de chegar às bancas.

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