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Coleção Paulicéia reúne histórias de SP

Com um lote de seis livros, a coleção faz um painel da complexidade de São Paulo, em que as manifestações eruditas e populares são partes iguais da cidade que conhecemos

Por Agencia Estado
Atualização:

Como boa paulistana, Ivana Jenkings não é da cidade: nasceu no Pará, onde a família, entre muitas outras coisas, tem uma livraria. Vive há cerca de 20 anos na cidade, tem um sotaque que engana muita gente num primeiro momento (que, no extremo, chega a pensar que ela é gaúcha, porque prefere o tu ao você). Ivana é proprietária da Boitempo, uma das mais paulistas das editoras da cidade, que acaba de mergulhar de vez na história de São Paulo com uma coleção dedicada a seus movimentos, histórias, personalidades, bairros e regiões. Na quinta-feira, a Boitempo lança os seis primeiros livros da Paulicéia. "A coleção pretende dar conta da complexidade de São Paulo", afirma Ivana. "Procuramos contrapor o erudito e o popular, para formar um grande painel, resgatando a melhor cara de São Paulo." Um perfil de dois bairros compõe esse primeiro lote de livros sobre a cidade: Vila Madalena - Crônica Histórica e Sentimental, do artista plástico e jornalista Enio Squeff, e Brás - Sotaques e Desmemórias, de Lourenço Diaféria. Um universitário, bicho-grilo, de urbanização mais recente (embora ligado à história de Pinheiros, que já tinha uma população indígena no século 16); o outro, operário, de imigrantes italianos, personagem principal de histórias do modernista Antônio de Alcantara Machado. A Paulicéia começa, também, demonstrando sua "preferência" pelo Corinthians - e não pelo Palmeiras, confronto que já era também de um conto sempre lembrado de Brás, Bexiga, Barra Funda (vitória corintiana por 2 a 1 sobre o então Palestra). A obra dedicada ao futebol é Democracia Corintiana - A Utopia em Jogo, assinada por Sócrates, líder do movimento, e pelo jornalista Ricardo Gozzi, da Agência Estado. Para os que não lembram (ou não gostam de lembrar), a Democracia Corintiana foi a aplicação, no futebol, de uma espécie de "autogestão" - que resultou em dois títulos paulistas (1982 e 1983) para o time. Os jogadores e comissão técnica decidiam no voto futuras contratações, data e local de concentração (e muita coisa que, antes e depois, ficou na mão dos cartolas), numa época em que os brasileiros ainda se preparavam para votar para governador - as eleições foram em 15 de novembro de 1982. Apesar de ser um livro especialmente sobre futebol (e muitas vezes, poderia ser menos dedicado ao esporte e aos placares e mais à organização dos jogadores), começa assim: "Uma série de golpes de Estado patrocinados pelo governo norte-americano na segunda metade do século 20 transformou a América Latina num celeiro de ditadores sanguinários (...). Em 1982, o Brasil vivia seu 18º ano sob regime militar. Mas já era possível sentir um clima de abertura política no ar." É justamente esse clima de abertura que Sócrates, Casagrande e Wladimir, especialmente, e outros menos lembrados, como Zenon e Juninho, radicalizaram dentro do Corinthians, num movimento que engrossou o caldo que pediu, em 1984, eleições diretas para presidente - em comícios "narrados" por Osmar Santos, um dos jornalistas esportivos que mais apoiaram a democracia corintiana, contra as acusações de que aquilo não passava de "anarquia" (talvez fosse mesmo um pouco, no sentido que os militantes anarquistas dão à palavra). O livro mostra, também, como o clima democrático ajudou na expansão do capitalismo sobre o futebol: até que as empresas decidissem se valia a pena ou não usar o espaço que a nova legislação destinava a patrocinadores, o publicitário corintiano Washington Olivetto, um dos agentes das mudanças no clube, estampou "Democracia" e "Dia 15 vote" nas camisas, causando um impacto que ajudou a vender cotas. Pode até não ter sido casual, mas muita coisa se encaixa nessa coleção. A liberdade dos jogadores do Corinthians se aproxima do clima da Vila Madalena, em que os portugueses festeiros, segundo Squeff, receberam com satisfação "os barbudinhos e barbudinhas" que ocuparam o bairro a partir dos anos 1970 com roupas desleixadas, cabelos compridos e cigarros que tinham um cheiro estranho. E não foi Adoniran Barbosa, tema de Adoniran - Se o Senhor não Tá Lembrado, de Flávio Moura e André Nigri, que cantou: "O Arnesto nus convidô/ Prum samba, ele mora no Brais/Nóis fumu num encontremu ninguém"? O mesmo Brás do Alcântara Machado modernista, embora não de primeira hora - a Semana de 22 - Entre Vaias e Aplausos, é o tema do livro de Marcia Camargos, o quinto da coleção. Para fechar a primeira leva (todos os livros têm tiragem de 3 mil exemplares), a Paulicéia traz uma reedição: Ronda da Meia-Noite - Vícios, Misérias e Esplendores da Cidade de São Paulo, ficção dos anos 1920 de Sylvio Floreal. No ano que vem, a Boitempo planeja publicar autores como Marilena Chauí, Ignácio de Loyola Brandão, Marilene Felinto, Humberto Werneck, Heródoto Barbeiro, Nelson Pereira dos Santos e Luiz Gonzaga Belluzzo. Lançamento Coleção Paulicéia - Quinta-feira, às 19h30. Sessão de autógrafos, exposição de fotos e aquarelas de Enio Squeff e show musical. Sesc Vila Mariana. Rua Pelotas, 141, em São Paulo; tel. (11) 5080-3000. Acesso a portadores de deficiência física.

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