Coleção mostra o charme das cidades

Coleção mostra a impressão que escritores famosos têm de suas megalópoles. A publicação na Inglaterra e no Brasil será quase simultânea. Paris e Sydney são as primeiras da lista

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Por Agencia Estado
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Os melhores guias são os que revelam as particularidades das cidades que poucos conhecem e têm o prazer de desfrutar. Se o texto for escrito em um estilo inconfundível, por um autor consagrado e plenamente identificado com o lugar, a obra adquire um caráter único. Eis a principal qualidade da coleção O Escritor e a Cidade, que a Companhia das Letras começa a lançar nesta semana. Trata-se de uma série de livros que traz o mapa íntimo de grandes metrópoles do mundo, desenhado por alguns dos melhores escritores contemporâneos. A série começa com dois volumes: O Flâneur - Um Passeio pelos Paradoxos de Paris, de Edmund White, e 30 Dias em Sydney, de Peter Carey. Em seguida, novos livros já foram encomendados: Ruy Castro prepara-se para apresentar os segredos do Rio de Janeiro, enquanto o cubano Pedro Juan Gutiérrez pretende desvendar Havana. A iniciativa da coleção O Escritor e a Cidade, na verdade, começou com a editora inglesa Bloomsbury, que criou a série e iniciou o entendimento com os autores - além de Castro e Gutiérrez, já foram encomendados textos para Patrick McGrath (Nova York), David Leavit (Florença), Tomás Elroy Martinez (Buenos Aires) e Ahdaf Souief (Cairo). A publicação na Inglaterra e no Brasil será quase simultânea: no mês que vem, um emissário da editora britânica vem ao Rio, acertar o contrato com Ruy Castro, que pretende negociar o próximo ano como prazo para pesquisas. "Espero visitar diversos pontos da cidade que ainda não conheço, como locais na zona norte e até alguns morros", conta o escritor, que se sentiu plenamente gratificado com o convite. "Há mais de dez anos que faço um levantamento sobre o Rio, um dos assuntos que mais gosto de ler." A paixão pela história e pelos costumes da cidade é tamanha que ele reservou um grande espaço em sua casa para acomodar toda a bibiliografia, que já conta com centenas de volumes. "Certamente, ali será uma importante fonte das minhas pesquisas", comenta o escritor, acostumado também a fazer visitas semanais a sebos em busca de títulos que ainda não dispõe. Pela primeira vez em sua carreira como autor, Ruy Castro prepara um livro que não será diretamente direcionado ao público brasileiro, o que vai interferir ligeiramente em seu processo de escrita. "Vou falar inicialmente para um leitor estrangeiro, que tem fascínio ou curiosidade por temas que nem sempre interessam aos brasileiros, como, por exemplo, as favelas", explica. "Assim, talvez eu não possa me espalhar em alguns assuntos como fiz em outras obras para não prejudicar o entendimento." Traços - Em suas pesquisas, Castro pretende capturar justamente o espírito da cidade que a diferencia das demais metrópoles da América Latina. "Quero mostrar os motivos que fazem com que os italianos, os judeus e os nordestinos do Rio sejam cariocas e não mais italianos, judeus e nordestinos", comenta. "Esse é um traço único do Rio e não acontece em São Paulo, por exemplo, onde descendentes de outras regiões têm características muito fortes." O escritor ainda não pensou no título de sua obra: diz que a idéia virá automaticamente durante o processo da escrita, como aconteceu em outros livros. "Muitas vezes, o melhor título está tão evidente que demoro para identificar", afirma Castro, lembrando que a biografia de Nelson Rodrigues só ganhou o nome definitivo (O Anjo Pornográfico) depois de reler, pela enésima vez, uma entrevista do próprio Rodrigues que se identificava como "um anjo pornográfico". "É o famoso exemplo de óbvio ululante", brinca. Passeios pela cidade foi também a forma que Edmund White escolheu para escrever sobre Paris. Há 16 anos flanando pela capital francesa, período em que colecionou impressões diversas, o escritor orgulha-se de conhecer todos os pontos únicos da cidade, alguns desconhecidos até pelos próprios moradores. A Paris de White é um lugar rico em história e paixão. Um passeio pelo bairro judeu, por exemplo, permite descobrir o pequeno museu Nissim de Camondo, com sua coleção impressionante de móveis da época de Luís XV e Luís XVI, criada por uma família de judeus que acabou exterminada durante o holocausto, na 2.ª Guerra. Autor de uma biografia de Oscar Wilde (publicada pela Objetiva), White buscou lugares que saciassem sua curiosidade literária. Assim, descobriu o Hotel du Lauzun, onde escritores como Balzac e Baudelaire, além do pintor Edouard Manet, encontravam-se para longas noites de música, alucinadamente recheadas por generosas doses de haxixe. E as reminiscências em Montmartre fazem aflorar a cultura de jazz criada pelos negros americanos no período entre as guerras e inclui histórias sobre Josephine Baker, Richard Wright e James Baldwin. Curiosamente, White ignora pontos de Paris conhecidos mundialmente, como a catedral de Notre-Dame. Como uma cidade não é formada unicamente por monumentos, o escritor apresenta também uma interessante descrição dos parisienses, "um povo voraz e apaixonante". Ele inclui também anedotas e memórias pessoais sobre os gays de Paris, no passado e no presente. Crueza apaixonante - Uma visão mais crua e não menos apaixonante do povo de Havana é o que promete o escritor cubano Pedro Juan Gutiérrez. Uma boa amostragem é oferecida nos dois de seus livros já publicados no Brasil, Trilogia Suja de Havana e O Rei de Havana, ambos pela Companhia das Letras. Lá, vivem pessoas marcadas pela pobreza, mas que jamais desanimam e nunca abandonam a alegria de viver. O íntimo conhecimento da classe menos favorecida veio de seus 26 anos como jornalista, como contou quando veio ao Brasil, em maio, para a Bienal de livros do Rio de Janeiro. "Muito do que apurei não pôde ser publicado, mas ficou guardado em minha memória até o momento em que consegui escrever os livros", comentou o escritor, cuja obra não foi ainda editada na ilha. "Mas, para minha felicidade, lá circulam edições espanholas." A visão da capital cubana, sob o olhar de Gutiérrez, certamente será algo distante do que é oferecido aos turistas, que se deliciam em hotéis de inúmeras estrelas e pouco contato têm com a realidade. Como de hábito, o escritor vai oferecer uma prosa que não abre muitas concessões ao bom gosto burguês, mas encanta justamente pela crueza. Menos apaixonado, mas tão encantado, o australiano Peter Carey oferece uma desvairada visão de Sydney. Como mora há dez anos em Nova York, ele conseguiu manter a distância no tempo e no espaço para conferir se realmente são deslumbrantes os atributos da cidade, apregoados por seus entusiasmados habitantes. Uma dose de equilíbrio que traz mais charme à coleção O Escritor e a Cidade.

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